A complexa relação com a mentira: desenvolvimento infantil e impactos sociais

Desde suas origens históricas até o impacto nas relações modernas, ato de mentir requer compreensão e reflexão sobre suas causas e consequências

A origem do dia da mentira (1º de abril) é histórica, sendo a versão mais antiga do século 16 na França em que nessa data pegaram a mania de pregar peças nas pessoas e isso teria percorrido o mundo e durado até hoje. No Brasil, o primeiro destaque para o reconhecimento da data aparece em 1828 quando um jornal mineiro trouxe a falsa notícia da morte de D. Pedro I, desmentida no outro dia.

A mentira é a afirmação de algo que se sabe ou se suspeite ser falso. Há quem diga que todos mentem, inclusive, aqueles que dizem “eu não minto” já estariam mentindo. É considerado, portanto, um comportamento socialmente inadequado.

Segundo algumas pesquisas sobre desenvolvimento e comportamentos, as crianças podem começar a mentir (precocemente) a partir dos 2 a 5 anos, não com a intenção de enganar, e a partir dessa idade esse comportamento pode se intensificar. Nesses primeiros anos, a imaginação dos pequenos é bastante fértil, podendo fantasiar e até confundir a realidade. Podem mentir para evitar um castigo, para impressionar, conseguir algo que desejam, não decepcionar os pais e buscar atenção.

A partir dos 7 a 8 anos em diante é que as crianças vão adquirindo a consciência de valores morais e sociais, é quando elas vão conseguindo diferenciar a verdade da mentira. Isso ocorre em etapas e faz parte da construção de um bom caráter. Para os pais, o exemplo é fundamental, é a melhor forma de ensinar as crianças.
Algumas crianças podem mentir temendo a reação de seus pais por terem feito algo errado. A escuta e o diálogo aberto e tranquilo da parte dos pais podem ajudar a diminuir esse temor em contar a verdade. Dar a oportunidade à criança para corrigirem o erro, dar-lhes a chance de contar a verdade, essa atitude é mais importante que apenas puni-las pela mentira.

Há alguns ditados sobre a mentira, como que ela tem a perna curta, ou seja, uma hora a verdade irá superá-la e por isso ela não irá longe. Também, “mais vale uma triste verdade que uma alegre mentira”. A verdade, muitas vezes, não é fácil de ser ouvida ou encarada, mas negar a sua existência pode trazer consequências mais dolorosas e sem possibilidade de voltar atrás.

Essa negação da verdade pode não ser consciente. O adulto pode, muitas vezes, negar a realidade se enganando ou se defendendo, criando então mentiras para si mesmo e para os outros. Podem mentir sobre o que são, como características de sua personalidade, que são confiantes e seguras de si, e no seu íntimo serem o inverso. Podem contar vantagens sobre suas posses, dinheiro e bens materiais e estarem afundados em dívidas. Percebe-se a negação de uma realidade insuportável, e um desejo de que a vida ou as coisas fossem diferentes. Nesses exemplos, o autoengano e a defesa contra o sofrimento interno andam juntos.

A mentira frequente como defesa pode estar associada a um sofrimento emocional, um trauma, que a pessoa tenha passado e não consiga lidar, aceitar ou elaborar psiquicamente sozinha. Em psicoterapia, e ou análise psicanalítica é possível investigar essas raízes e tratá-lo.
Como já mencionado, se a mentira tem perna curta, quando a verdade sobre essas situações do exemplo vier à tona, a vergonha, o constrangimento, a sensação do ridículo virá junto. Também pode acarretar o afastamento social ou até o “cancelamento”.

O excesso de mentiras pode se tornar doentio, como na mitomania, em que a pessoa se torna um mentiroso compulsivo. Criam histórias fantasiosas na maioria das vezes para chamar atenção, evitar responsabilidades e ter benefícios pessoais.

A vida do mentiroso tem preço alto pois ele tem que sustentá-la, muitas vezes cai em contradições. A mentira pode trazer consequências ruins e até trágicas para a pessoa e quem convive com os mentirosos. Há alguns transtornos de personalidade que trazem entre suas características a mentira com a intenção de maldade, de enganar, de trair, de causar a desordem na vida e no psicológico de outros.

É contraditório pensar que as mentiras minam as relações e, ao mesmo tempo, podem mantê-las longe de conflitos. Um mundo sem mentiras poderia torná-lo um caos, mas, por outro lado, as autoridades seriam mais honestas, assim como a polícia e a justiça. Enfim, se a mentira afirma ser verdadeiro o falso e engana as pessoas, talvez seja por essa razão que algumas pessoas possam se utilizar da omissão sendo uma inevitável saída, já que a omissão deixa de lado, não menciona, silencia.

Já sobre esse tema “omissão” seria uma outra história a ser pensada, ou outra matéria a ser escrita.