Casamento perigoso

Há mais de 150 anos, a discussão está em pauta. Quando Charles Darwin, um naturalista britânico, convenceu a comunidade científica a respeito da seleção natural como processo de desenvolvimento da vida, o mundo se dividiu. A ideia de Darwin resultou no que conhecemos hoje como “teoria da evolução”, segundo a qual todos os seres vivos se desenvolveram a partir de ancestrais comuns.
A combinação de diversas estimativas indica que, hoje, de 2 a 8% da população mundial, sejam compostos de ateus, secularizados ou sem religião.

Nesse grupo, praticamente, todos acreditam na teoria da evolução como modelo possível para o desenvolvimento dos seres vivos. Essa teoria foi a desculpa perfeita para aqueles que desejavam tirar Deus de sua vida. Sem dúvida, a teoria de Darwin foi o instrumento ajustado para afastar milhões de pessoas da Bíblia e do Criador. Para elas, a Bíblia é apenas um livro de estórias, parábolas e alegorias.
Por outro lado, grande parte do mundo cristão sempre se opôs à teoria da evolução por considerá-la diretamente oposta ao relato bíblico. Para os cristãos, em geral, a Palavra de Deus é bastante clara ao responder à pergunta de onde viemos: “No princípio, criou Deus os céus e a Terra” (Gênesis 1:1). Assim começa a Bíblia, apresentando a origem Divina do mundo e dos seres vivos.

Nas últimas duas décadas, porém, a discussão vem se tornando mais complexa porque uma terceira alternativa tem cativado tanto religiosos quanto cientistas. Seria possível harmonizar a existência de Deus com a teoria da evolução? E se você lesse por aí que Deus é o autor da evolução e que, ao longo de bilhões de anos, Ele tem trabalhado para criar o universo, este mundo e o ser humano? Isso faria sentido para você? Afinal, quem está com a verdade? A Bíblia, a teoria da evolução ou as duas coisas?

Vamos um pouco além. E se os que defendem a ideia de que Deus é o autor do processo evolutivo forem importantes e respeitados líderes religiosos? O que você diria? Continuaria a crer na Bíblia e na literalidade da narrativa de Gênesis ou passaria a tentar harmonizar Darwin e Deus?

Nos últimos anos, muitos grupos cristãos têm se pronunciado em favor da teoria da evolução e da ideia do Big Bang, não vendo contradições entre elas e a Bíblia. Para boa parte da comunidade científica, a expansão do universo se deu a partir do Big Bang, uma explosão há cerca de 13 bilhões de anos. Por sua vez, a teoria da evolução trata com a maneira como os seres vivos se desenvolveram, ao longo de processos evolutivos, de adaptação ao meio ambiente e de seleção natural.

Em 2014, vários jornais no mundo inteiro noticiaram o que o papa Francisco declarou, em 27 de outubro: “Quando lemos a respeito da criação em Gênesis, corremos o risco de imaginar que Deus era um mágico, com uma varinha mágica capaz de fazer tudo. Mas i,sso não é assim.” Com isso, ele indicou que o cristianismo pode conviver muito bem com a teoria de Darwin. O papa Bento XVI já havia afirmado, em 26 de julho de 2007, que “o debate entre criacionismo e evolucionismo é um absurdo, já que a teoria da evolução pode coexistir com a fé”. Em 1950, o papa Pio XII já descrevia a evolução como uma abordagem válida do desenvolvimento humano, na encíclica Humani Generis.
Em março de 2009, o jornal O Caminho, de uma igreja protestante tradicional, também se pronunciou em favor do evolucionismo, afirmando ser “possível ver na teoria da evolução das espécies a presença permanente do ato criador de Deus ao longo de milhões de anos”. Também em 2009, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos publicou que “muitas denominações religiosas aceitam que a evolução biológica tem produzido a diversidade dos seres vivos ao longo de bilhões de anos da história da Terra”.

Um dos mais respeitados pensadores evangélicos dos Estados Unidos, Mark A. Noll, professor na Universidade de Notre Dame, tem afirmado que os cristãos precisam ler o livro de Gênesis à luz da teoria da evolução, que, segundo ele, mostra a maneira de Deus criar as cosias.

Como podemos perceber, muitas denominações cristãs e correntes religiosas tentam compatibilizar duas ideias bem diferentes. Na concepção de boa parte dos cristãos, porém, evolucionismo e criacionismo são teorias antagônicas. Como harmonizar notas tão dissonantes? Esse é, sem dúvida, um casamento perigoso.

A ideia de Deus usar a evolução, deixando que o tempo de milhões de anos fizesse todo o trabalho criador, não faz sentido. Aliás, por definição, explosões destroem, não constroem; e, se deixadas ao acaso, as coisas se desintegram em vez de se organizarem de forma complexa. Seria essa uma tentativa de tornar a fé mais racional? Acredito que sim, mas de maneira equivocada.