Se for confortável expresse a dor escrevendo, desenhando ou de outra forma que possa ajudar nessa manifestação
O Brasil já é o segundo país com mais casos de coronavírus no mundo. Tantas mortes em tão curto espaço de tempo vêm gerando um tipo diferente de luto. Mudou-se a relação com o luto. O luto tem sido vivido de maneira coletiva pela humanidade e pelas pessoas próximas que estão morrendo.
O não saber como será que o mundo vai sair dessa situação gera sentimentos de desconforto, angústia, insegurança, incerteza. Todos querem se livrar das dores, mas o luto é obrigatório ser vivenciado no momento que ocorre, pois se for de alguma forma “camuflado”, pode demorar o tempo que for, em algum momento a frente da vida ele será “cobrado”, isto é, ele retorna para ser “digerido” psicologicamente. Muitas vezes, aparece em forma de sintomas físicos e emocionais.
Falar sobre a morte, muitas vezes, é um tabu, mas é necessário, já que essa é a única certeza que se tem na vida. Acredita-se que quando uma pessoa morre, pelo menos, 10 pessoas são impactadas, e com o alto índice de mortes que o mundo vem vivenciando dá para ter uma dimensão do sofrimento que vem assolando a todos. Todos estão tendo que lidar com a morte de maneira escancarada, não dá mais para jogar esse assunto para debaixo do tapete.
Um filósofo já dizia que a morte e a vida são como irmãs que andam lado a lado, e é a morte que faz a vida ser melhor e preciosa. Busca-se sempre evitar a solidão procurando encontrar amigos, diversões e distrações para não se lembrar dos problemas e aborrecimentos. Trabalha-se muito também como forma de ocupar a cabeça. Mas, com a pandemia, não teve como fugir. O coronavírus fez com que a humanidade deixasse o individualismo e focasse no coletivo. Esta tem sido a grande reflexão, pensar no próximo.
O luto possui 5 fases: negação, raiva, barganha, depressão e a aceitação. Essas fases não necessariamente ocorrem nessa sequência. Em se tratando do luto coletivo que está assolando a todos, a princípio nega-se a situação e tenta-se pensar que a vida irá se normalizar. Um sentimento de injustiça acaba tomando conta e busca-se acreditar que é algo passageiro. De repente, percebe-se que é a realidade, a ficha cai, e surge o medo pela própria morte e pelos entes queridos. Reflexões pela crise financeira, pessoas sem trabalho, muitos sem comida na mesa. Tristeza pelas vidas e vidas que se perderam. Pensa-se se algo poderia ter sido feito diferente para não chegar ao ponto que chegou de quantidade de mortes. Por fim, a necessidade de encarar a nova realidade e reformular o novo estilo de vida com algumas limitações. A pandemia não trouxe apenas a morte física, trouxe a morte dos sonhos, planos e perspectivas de vida.
A maioria dos povos pelo mundo possui um ritual de despedida para uma pessoa que faleceu. Com o coronavírus, esse ritual foi roubado. Não se pode mais abraçar e nem reunir as pessoas. O processo fúnebre (velório) é essencial para que se passem as últimas horas juntos, lembrando como essa pessoa era querida e quanto não ter mais essa convivência será dolorosa. Para evitar a contaminação, desde o momento da hospitalização já não se pode mais estar próximo dessa pessoa, os velórios suspensos e os sepultamentos feitos em cerca de 10 minutos em caixões lacrados e com poucos familiares presentes.
Para lidar com toda essa situação, pode ser feita uma pequena cerimônia simbólica até mesmo na própria residência, utilizar fotos e até escrever uma carta para a pessoa falecida e lê-la em voz alta. Se as crianças quiserem participar, sim elas podem, a situação deve ser explicada claramente a elas. O nosso cérebro entende essa forma simbólica de despedida como verdadeira. Também, buscar uma rede de apoio como amigos, uma religião, e também uma conversa com um profissional de apoio psicológico pode ajudar nesse momento.
Para oferecer um acolhimento alternativo vêm surgindo rituais de despedida online (aplicativos) para que parentes em qualquer lugar do mundo possam participar da cerimônia.
Existe um memorial para as vítimas da Covid 19, é o ‘Memorial Inumeráveis’. É uma plataforma virtual, e o intuito não é mostrar números, e sim humanizar a história das vítimas. Relatar suas histórias de vida, suas paixões, seus sonhos. Que essas memórias permaneçam vivas. Identificar os rostos dessas pessoas, porque elas fizeram do seu modo, a diferença nesta vida, e na vida de alguém. Foi criado em 30 de abril de 2020.
Enfim, lembre-se que não há vergonha em chorar, o momento de tristeza é natural ocorrer. Se for confortável expresse a dor escrevendo, desenhando ou de outra forma que possa ajudar nessa manifestação.