Nos anos 1930, misteriosas expedições científicas financiadas pelo governo alemão, então comandado pelo partido nazista, percorriam locais estratégicos do Brasil. Excursões apoiadas pelo governo brasileiro, na época, governado pelo ditador Getúlio Vargas.
Renomados botânicos, biólogos, geógrafos, seguiam acompanhados de soldados com treinamentos especiais em selvas, e experientes fotógrafos. Dispostos a tudo, enfrentavam as mais cruéis adversidades dos nossos trópicos, como epidemias, animais selvagens, tribos indígenas e matas nunca desbravadas.
Passagens emblemáticas, envolvendo do misticismo, busca do Eldorado, ao reconhecimento das terras latinas, na possível invasão das tropas alemãs, ou simplesmente, parcerias do governo alemão, para colonizar novas regiões.
Lendárias expedições científicas que inspiraram inúmeros livros e filmes, como as sagas de Indiana Jones, do cineasta americano, Steven Spielberg.
Recentemente, o governo alemão iniciou a digitalização dos velhos negativos e slides de vários acervos públicos e particulares, resgatando, neste processo, os acervos fotográficos das misteriosas expedições brasileiras.
Em parceria com 88 instituições culturais, foi criado o “Deutsche Fotothek” (Bibliotecas de Fotos Alemãs), uma vitrine virtual com mais de 1.975.000 imagens. Entretanto, o significativo número representa menos do que 50% do acervo digitalizado.
EXPEDIÇÕES ALEMÃS
EM COSMÓPOLIS
Entre as milhares de imagens e documentos do acervo, a feliz descoberta histórica. Uma destas emblemáticas expedições científicas percorreu o interior paulista, passando por Cosmópolis.
A expedição é datada de 1938, registrando, em mais de duas mil fotos, desde a saída em Berlin, desembarque em Santos, os estudos em várias cidades paulistas, ao término do percurso brasileiro, no estado do Mato Grosso. Deste estado, os alemães seguiam para Argentina.
Entre os comandantes do grupo, estava Konrad Voppel, renomado geógrafo alemão, e Paul Vageler, holandês naturalizado alemão, então nomeado pelo ditador Getúlio Vargas, como cientista do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Em novembro, após um vasto detalhamento científico da cidade de Campinas e região, os alemães chegavam a Cosmópolis, então distrito campineiro.
Parte do grupo desembarcava na Estação da Sorocabana, então localizada na Rua João Aranha, atual Praça do Estudante, popular “Praça do Relógio do Sol”.
Em carros e jardineiras, chegavam outros cientistas alemães. O motivo dos grupos separados, o estudo das vias de transportes, condições de pontes e estradas, e os acessos oficiais e alternativos.
Nas terras cosmopolenses, iniciavam os estudos do solo, produções agrícolas, recursos hídricos e o potencial industrial local, buscando comprovações científicas para certificar o uso das terras aos interesses do governo alemão.
Em outras visitas de estudos, não oficiais, Paul Vageler documentou o Núcleo Colonial Campos Salles, em Cosmópolis, considerado um dos primeiros redutos de imigrantes alemães no Brasil, criado em parceria com o governo brasileiro, em 1896. Vageler, então professor do IAC, fala desta passagem em Cosmópolis, no livro ‘’Brasiliense, gigant der zukunft’’ (‘Brasil, gigante do futuro).
OS REGISTROS
FOTOGRÁFICOS
EM COSMÓPOLIS
No dia 10 de novembro, o geógrafo Dr. Voppel registrava, em imagens, as terras da Fazenda Usina Ester. Em cada foto, um pequeno texto descritivo dos locais, qualidade do solo e água, ressaltando a sua importância, na possível instalação das colônias alemãs.
Entre os registros, destaques ao complexo industrial e colonial da Usina Ester. O encontro dos rios próximo da indústria, o sistema de encanamento e distribuição das águas; sobressaindo as casas dos colonos, os quintais cercados de bambu e suas produções agrícolas familiares; canaviais plantados em gigantescas áreas, os rios Pirapitingui e Jaguari, ressaltando a reserva da represa e as correntezas do “Poção”.
Com exatos 80 anos, completados neste mês, as imagens impressionam pela nitidez, assim como as perspectivas retratadas pelo fotógrafo. As imagens cosmopolenses estão disponíveis para visualização no site http://www.deutschefotothek.de/
Ainda não foram digitalizadas as imagens da “Villa de Cosmópolis”, estando acessíveis, até o momento, somente as fotos das áreas rurais e Usina Ester. Cidades da região, como Limeira, Campinas, Jaguariúna, Piracicaba, estudadas pelo grupo, podem ser vistas no acervo de Voppel. O grupo percorreu mais de 500 localidades paulistas.
Liderado pela Fundação Gundlach, fundada pelo fotógrafo e colecionador Franz Christian Gundlach, o projeto tem como meta proteger e ativar testemunhos importantes da fotografia analógica mundial.
OS CIENTISTAS ALEMÃES
Vageler havia desembarcado oficialmente no Brasil em 1932, enviado pelo governo imperial alemão, para estudar as possibilidades de colonização alemã, através da fixação de colônias agrícolas de imigrantes. Em parceria com o governo ditatorial de Vargas, criou uma comissão de cientistas, realizando estudos em diferentes regiões climáticas brasileiras.
As expedições ficavam conhecidas como “Comissão Vageler”, dedicadas em analisar as possibilidades de colonização alemã no Brasil, em especial nas vastas terras da “Companhia de Viação São Paulo-Mato Grosso”, preferencialmente escolhidas pelo governo alemão, devido a qualidade do solo, infraestrutura e os acessos à Argentina.
Dr. Voppel era famoso pelas expedições alemãs no mundo, catedrático de respeito na Europa, assim como Vageler, homens de confiança do partido Nazista.
Em 1933, participaram de uma das mais famosas expedições alemãs, com mais de 30 cientistas, percorrendo pelas selvas, da Amazônia ao oriente. Histórica expedição, imortalizada por inúmeros livros diários dos exploradores.
Em 1939, com o desencadear da Segunda Guerra Mundial, os cientistas retornaram à Alemanha, declarando seu compromisso ao Reich alemão, e a seu Führer, Adolf Hitler. Pelos serviços em terras estrangeiras, Vageler foi nomeado diretor do Instituto Colonial de Ciência do Solo e Tecnologia Agrária da Universidade de Hamburgo.
Na invasão nazista da França, Vageler tornou-se chefe do Departamento Florestal e de Ciência do Solo do Instituto Alemão de Paris, criado para colonização alemã das terras francesas.
Sobre suas viagens, Vageler editou vários livros, muitos financiados e impressos pelo regime nazista. Nas obras, o autor exaltava o seu papel de poliglota, especialista de solos, enfatizando sua lealdade ao Führer, e certo racismo, disfarçado nas entrelinhas.
Com a derrota alemã e perseguição aos nazistas, voltou ao Brasil, trabalhando como professor em várias faculdades. Faleceu em São Paulo, em 1963, onde é homenageado com uma rua, na Vila Zat.
Konrad Voppel, geógrafo e responsável pelas imagens, faleceu na Alemanha, em 1973. Das expedições pelo oeste paulista, percursos de mais 3 mil quilômetros, resultaram em milhares de fotos, documentos científicos importantíssimos, e o redescobrimento de cidades, como Cosmópolis.
Texto: Adriano da Rocha
Foto: Acervo Konrad Voppel
Adriano da Rocha
Historiador, responsável pela página e blog Acervo Cosmopolense