Datas que marcam…

Uma das mais comoventes que escrevi

“A visita do médico era todas as manhãs. Ouvia-se pelos corredores quando ele corria quarto por quarto. Uma visita infalível. Joviana estava quase sempre acordada, encolhida na cama. Tinha o rosto redondo e rosado contrastando com a pela clara, de alguém que estava sofrendo. Já há alguns meses acamada, viera transferida de um hospital de Minas. Tinha sido operada. Naquela tarde, a atenção do hospital estava voltada para ela. No quarto, passando a maior parte de seu tempo deitada, acometida por uma doença crônica. Os pais não a deixavam um minuto, desde que chegaram àquela cidade estranha. Outros filhos tinham ficado na companhia de parentes.
– Como está a mocinha? – inquiriu o médico aproximando-se da cama.
– Eu sei doutor. Eu sei que vou morrer…
Depois de uma pausa, o olhar ausente, a chegada da mãe que havia saído um pouco, a menina coloca um ar forçado, um sorriso de contorno nos lábios.
– Minha filha… – Choram com sentimentos escondidos. O Dr. rabisca numa prancheta e pede que a mãe aguarde no corredor. Aparelhos de pressão consultam a circulação do sangue.
– Eu vou morrer, Doutor? – pergunta a menina.
– Não. – diz o médico – Você está bem. Só precisa tomar mais um pouco de medicamento.
– Eu não quero injeção, doutor! Eu não aguento mais injeção!
– Não fique assim, querida. Você já está moça e sabe que é preciso.
Lágrimas correm pelo rosto da menina, desesperada, com tanta picada de agulhas pelo corpo.
– Não adianta nada, doutor. Eu não vou sarar mesmo!
– Você irá ficar boa. Fique tranquila, ou você não acredita em mim? Em Deus?
Ela vira para o canto da cama e, voltando-se para o médico, ainda com lágrimas nos olhos:
– Doutor, não conte para minha mãe se eu estiver tão mal assim.
O médico apenas gesticula com a cabeça. Antes de sair, apanha o resultado do exame e, pelos corredores, sai a procura de outros pacientes. A mãe volta ao quarto e senta ao lado da filha.
– Calma, filha. Tudo vai dar certo. O Doutor disse que você está melhorando.
Joviana a olha com os olhos cheios de lágrimas. Mais tarde, uma terrível febre chama a atenção dos médicos que a levam para outra cirurgia urgente. Os pais aguardam ansiosos na sala de espera. As horas passam e nenhuma notícia convincente. Depois de algumas horas, um médico vem dar a notícia:
– Infelizmente, fizemos o que pudemos… Ela não suportou a cirurgia.
O casal se desnorteia. Querem ir até a filha. São impedidos. O doutor os aconselha com palavras de conforto e consolo. Uma prima chega para ajudá-los. Eles se rendem nos braços de uma única pessoa conhecida na cidade. Já na sala de óbitos, a mãe debruça sobre o corpo, o marido com uma das mãos sobre o ombro da esposa, deixa as lágrimas caírem. Enfermeiros, funcionários se emocionam juntos. A menina já havia cativado todos na ala. Sem condições de transladar o corpo para Minas, a única opção era sepultá-la no cemitério da cidade.
Na volta para casa, o “trem a fogo” corta os trilhos, deixando a cidade. Num dos vagões, Antonio e Gertrudes, um ao lado do outro, estão tristes. Inconformados, o pai se levanta do banco, olha pela janela e vê, pela última vez, as chaminés das grandes indústrias. O hospital que não conseguiu salvar a filha nos seus apenas quatorze anos já havia ficado para trás”.
Não deixei de me emocionar também. Uma das mais comoventes que escrevi. De uma família que, apesar de tudo, nunca perdeu a fé em Deus. Sentimentos se misturam ao meu orgulho de fazer parte dela desde esta época, mesmo inconsciente. Minha mãe estava grávida e sou eu aquela criança…

Oscar do Carmo Silva Neto MTB – 66134-MT/SP
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