Dirigir com sono é responsável por 20% dos acidentes, alerta Detran

Departamento de trânsito alerta que dirigir com sono pode ser tão perigoso quanto dirigir embriagado

O Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran.SP) alerta para um comportamento que pouco se dá atenção, mas que pode ser tão perigoso quanto dirigir embriagado: dirigir com sono. Até 20% de todos os acidentes de trânsito estão associados à sonolência.
É isso o que mostra um estudo conduzido pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Segundo os resultados da pesquisa, lançada em março, os horários com mais incidência de acidentes são durante a madrugada e após o almoço.
Por este motivo, o Detran.SP orienta que os motoristas só dirijam se tiverem condições para isso. “Assim como os acidentes causados em decorrência do consumo de bebida alcoólica, os acidentes ocasionados pelo sono podem e devem ser evitados. Para isso, é preciso conscientização dos motoristas. É importante que o cidadão sempre conduza seu veículo com segurança”, ressalta o diretor-presidente do Detran.SP, Maxwell Vieira.
A partir da pesquisa, a ABN se uniu com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) para promover a campanha “Não dê carona ao sono”. A ação visa reduzir os acidentes, principalmente nas estradas, e conta com o apoio do Detran.SP.
Dados merecem atenção – A pesquisa, que entrevistou 495 pessoas, mostra que 40% dos participantes afirmaram que já ziguezaguearam na estrada e metade já parou na via por sentir sono.
Entre os entrevistados, 61% assumiram que costumam dirigir no dia seguinte a uma péssima noite de sono. Cerca de 10% das pessoas afirmaram dirigir com sono e 23% o fazem de 2 a 3 vezes por semana.
O resultado? Mais da metade dos participantes conhece pelo menos uma pessoa que quase se acidentou e 39% conhecem alguém que efetivamente sofreu acidente por ter pegado o volante com sono.
Fique atento – Ar frio, tomar água ou ouvir música alta não resolvem o problema para quem está com sono, tendo, no máximo, efeito por poucos minutos. “Mesmo recorrendo a medidas paliativas, como tomar café, o motorista está sujeito a micro sonos, de 4 a 5 segundos”, diz o neurologista Gilmar Fernandes do Prado, presidente da Academia Brasileira de Neurologia.
Pode parecer pouco, ma,s nesses segundos, em alta velocidade, percorre-se uma distância considerável sem prestar atenção no trânsito. “Se estiver a 120km/h, é dificílimo parar o carro e, ao despertar, a chance de acidente é enorme. Em 10 metros, você já sai da estrada e cai em uma ribanceira ou pode atravessar a pista e bater de frente em um veículo que trafega em direção oposta nas inúmeras de nossas estradas que ainda não contam com divisórias, ou mesmo se chocar contra uma dessas barreiras”, ressalta Prado.
Um motorista com sono sente dificuldades em manter os olhos abertos e focados, além dos pensamentos ficarem vagos e desconexos. O condutor começa a piscar mais lentamente, e sente dificuldades em manter a mesma velocidade, podendo até sair da pista. Não notar sinalizações, retornos ou errar o caminho também podem ser consequências da privação do sono.
Então, esqueça o café ou qualquer tentativa de burlar a sonolência. O que realmente funciona é não pegar o volante com sono, evitar dirigir por períodos longos sem parada, viajar sozinho depois de uma noite mal dormida ou após um longo dia de trabalho. Também é importante observar a bula de remédios para não dirigir após tomar medicamentos que têm como efeito colateral a sonolência e, em hipótese alguma, dirigir após consumir bebida alcoólica.

Conscientização
A campanha da ABN surgiu a partir da constatação de que o olhar das autoridades está focado somente em outras causas de acidentes, como bebidas alcoólicas e uso de aparelho celular.
“Queremos chamar atenção não apenas do motorista, mas, também, dos órgãos reguladores, uma vez que a distração causada pelos smartphones desvia o foco da mesma forma que a sonolência. Ou seja, condução do veículo, trajeto, velocidade e estrada são relegadas ao segundo plano”, esclarece o presidente Gilmar Fernandes do Prado.
Normalmente, a resposta a um estímulo acontece por volta de 100 a 250 milisegundos – em caso de sonolência, varia para 150 a 500 milisegundos. Quando em velocidades mais altas, essa diminuição de reflexo eleva o risco de acidentes fatais.
José Heverardo da Costa Montal, presidente da ABRAMET, pontua que o sono ao volante deve ser encarado como um vilão.
“Se o indivíduo é privado de sono ou é portador de um distúrbio, tem chance muito maior de causar um acidente, próximo ao que acontece com o álcool”, alerta.
Diferentemente do que ocorre com os distúrbios relacionados ao sono, o discurso contra o uso de celular na direção e a ingestão de bebida alcoólica já está consolidado. A ABN deseja, por meio da Campanha, incluir a discussão sobre o sono nesse espectro.
Montal ressalta, ainda, que a união das instituições ligadas ao tráfego e à neurologia será capaz de promover conscientização de maneira efetiva e enfática, abordando as diferentes esferas do problema. A ABRAMET, aliás, já ajudou a construir uma legislação de trânsito que contemple alguns desses pontos.
“Colaboramos com a elaboração de uma norma que torna necessário o diagnóstico de possíveis distúrbios de sono. Existindo sinais de que o indivíduo possa ter alguma doença desse tipo, há encaminhamentos obrigatórios por lei”.
Busca-se, dessa maneira, uma mudança que extrapole a postura individual, alcançando o âmbito cultural, como ocorreu em passado não tão distante com a conscientização da relevância do uso de cinto de segurança.
“A população deve compreender que o sono é um fenômeno indispensável à saúde humana. Logo, se você está programando uma viagem, é preciso separar um tempo para descansar e recuperar a energia”, argumenta Montal.

Apneia
Resultado da maior resistência nas vias aéreas, a Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) dificulta a passagem de ar durante o sono. Acarreta maior incidência de hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e alterações metabólicas e hormonais, causa sonolência diurna, irritabilidade e cansaço.
Reconhecer e tratar a AOS é importante, pois indivíduos com AOS apresentam risco de acidentes de trânsito 2 a 7 vezes maior. No Brasil, segundo o presidente da ABN, uma barreira no combate ao problema é o desconhecimento, o que gera a falta de pressão popular para o desenvolvimento de medidas preventivas.
“Isso provoca dificuldade de patrocínio para ações que visem à conscientização. Ou seja, a gravidade da apneia não é reconhecida pela sociedade em geral, impactando na prevenção, no diagnóstico e no tratamento”.
O resultado é que os acidentes de tráfego ocasionados pelo distúrbio não são reconhecidos, uma vez que seus principais sintomas, como ronco e sonolência diurna, são mascarados pelos pacientes.
“Não há um medidor de sono que qualifique a apneia, como o bafômetro indica o nível do álcool. Já existem alguns aparelhos que funcionam como marcadores de sonolência, porém, inacessíveis à Polícia Federal. A alternativa seria criar um marcador que identifique a quantidade de amilase presente na saliva, uma vez que a sonolência eleva a presença dessa enzima. Porém, concomitantemente precisaria ser feita uma escala para contar essa quantidade em distúrbios de sono, pois seu aumento pode ser decorrente de outros fatores”, analisa Prado.

Legislação
Graças à Resolução nº 452/2012 do Departamento Nacional de Transito (Denatran), o exame médico para emissão e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) está mais rígido. Todos os candidatos precisam passar por testes específicos para detectar possíveis distúrbios de sono – além das avaliações cardiológica, neurológica, oftalmológica e auditiva.
Na consulta, são avaliados alguns fatores de risco, como o grau de sonolência diurna através da escala de sonolência de Epworth. Caso sejam identificados indícios de apneia de sono, o médico de tráfego pode encaminhar ao especialista, que indicará a polissonografia para confirmação diagnóstica e planejamento terapêutico.