Um depoimento em um programa de televisão transformou a vida de Roberta Marsola e salvou a vida de Keven Morais. Ela, de Goiás, atualmente morando em Artur Nogueira; ele, em Ipiranga, interior do Paraná, são unidos por um ato de empatia e solidariedade. Ambos compartilham da mesma medula óssea, doada há 2 anos por Roberta.
A doadora conta que sua relação com transplantes começou com seu pai, que sofrera de problemas de rim quando ela era criança. O médico, na época, alertou previamente que, mesmo tratado, seria necessário o transplante. Quando chegada a necessidade da intervenção, a doação do rim veio da própria família, pelo tio. “Esse transplante fez muita diferença na minha vida, pois, tive meu pai durante minha vida no momento de formação até a vida adulta”, recorda Roberta.
Ela conta que a experiência foi muito marcante na vida, principalmente, porque o transplante é cercado de incertezas. Sendo assim, a insegurança e o medo tomam conta de todos os envolvidos. “É uma família doente, não só uma pessoa”.
Já adulta, ela conta que sempre quis doar sangue, porém, não poderia, por conta de seus traços talassêmicos, característica genética que resulta em uma anemia leve. Sendo assim, ainda buscando por fazer a diferença na vida das pessoas, ela concentrou esforços para arrecadar doações de cabelos para mulheres e crianças com câncer.
Assim foi até Roberta visualizar, em uma campanha de doação de medula óssea feita na televisão, a chance de mudar a vida de mais pessoas. Na televisão, já alertaram que, mesmo com alguns problemas de saúde, as pessoas interessadas poderiam doar. “Na hora, pensei em doar, peguei o notebook e mandei mensagem para a Central de Doação. Duas semanas depois, recebi um e-mail avisando que eu poderia doar”. O aviso chegou na quinta-feira; no sábado, ela já estava no Hemocentro da Unicamp para realizar o cadastro.
Passados alguns meses, o REDOME (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea) entrou em contato com Roberta, notificando-a que haveria uma provável compatibilidade. No dia seguinte, ela conta que estava novamente na Unicamp. “Vivendo uma história de transplante na família, eu sei que é uma corrida contra o tempo e um dia vai fazer a diferença na vida dessa pessoa”, justifica.
Após dois meses de coletadas as amostras, Roberta foi notificada que a medula teve 100% de compatibilidade, caso raro, com o receptor, que sofria de Granulomatose Crônica, doença também rara que atinge 1 a 9 em cada 1 milhão das crianças.
Debilitado, Keven sofria com internações frequentes, não podendo ter uma vida normal, já que não frequentava a escola ou convivia com outras crianças. A criança ficou dois anos na fila do transplante, esperando por algum doador.
Realizado o transplante, a doadora ainda não conhecia o receptor, já que, por políticas da instituição, só seria possível reconhecer o receptor um ano e meio depois do transplante, se for vontade de ambas as partes. Porém, Roberta já sabia as iniciais e suspeitava ser uma criança, por conta do peso. “Na época, ele pesava mais ou menos o peso do meu filho, que hoje está com sete anos.”
A Central liga duas vezes notificando como foi o resultado do exame. Uma, logo nos primeiros dias; e a segunda, após um mês do transplante. Para Keven, o resultado foi positivo, sem nenhuma sequela ou complicação.
“Senti algo muito forte, ao mesmo tempo sentia que como se ele fosse um filho e, por outro lado, por já ter vivido uma história de transplante, eu pensava na família”, conta Roberta.
Após a notificação de um mês, sabendo que o receptor passava bem, ela começou a busca por acompanhar o estado de saúde do menino. Assim, ela começou a busca pelas redes-sociais, em blogs e pessoas de campanhas de doação. Depois de tanta procura, pessoas vieram atrás de Roberta para que ela desse depoimentos sobre a doação. Uma dessas pessoas foi o Gabriel, que pediu para ela gravar um vídeo contando sua história e incentivando as pessoas a doar.
Gabriel passava por tratamento no mesmo hospital que o receptor da medula de Roberta. Sabendo disto, ela pediu para que o Gabriel buscasse notícias sobre Keven. As informações do receptor eram intermediadas até Roberta por Gabriel, até o dia que ele veio a falecer.
Com isso, para Roberta, restou apenas a opção da espera de um ano e meio para estabelecer contato com a família. Passado esse tempo, manifestada a vontade e liberada pela equipe médica, Roberta ligou, pela primeira vez, para a família de Keven. A primeira pergunta foi como era o estado de saúde do menino. Para o alívio da doadora, a criança esbanja saúde até hoje.
Quase dois anos após o transplante, Roberta conta que irá conhecer pessoalmente a família pela primeira vez, em junho deste ano, nas férias da escola onde ela dá aula. “Posso dizer que aumentei minha família, eles são super carinhosos; é muito gostoso. Tenho certeza que esse vínculo nosso é muito forte”, finaliza Roberta.
Corrente de
solidariedade
Roberta conta que ainda participa de grupos e conversa com muitos futuros doadores. “Muitos doadores já entraram em contato comigo, principalmente, por conta do medo”.
Com a história, ela espera ajudar e incentivar outras pessoas que têm a intenção de doar.
Apesar do ato solidário, Roberta diz que recebeu críticas. “As pessoas me criticaram dizendo que estava colocando minha vida em risco. Não julgo essas pessoas, pois, acredito que, para elas, ainda falta informação”.
O procedimento
A doação é feita através de um procedimento, sob anestesia, geral ou peridural, no centro cirúrgico.
Existem dois modos para a retirada da medula. Em um deles é feita a retirada da medula através do interior de ossos da bacia. Esse procedimento leva em torno de 90 minutos.
Há outro método de doação chamado coleta por aférese. Neste caso, o doador faz uso de uma medicação por cinco dias com o objetivo de aumentar o número de células-tronco (células mais importantes para o transplante de medula óssea) circulantes no seu sangue. Após esse período, a pessoa faz a doação por meio de uma máquina de aférese, que colhe o sangue da veia do doador, separa as células-tronco e devolve os elementos do sangue que não são necessários para o paciente. Não há necessidade de internação nem de anestesia, sendo todos os procedimentos feitos pela veia.
A decisão sobre o método de doação mais adequado é exclusiva dos médicos assistentes, tanto do paciente quanto do doador, e será avaliada em cada caso.
Medo
“Único medo que eu tive foi dele não resistir ou do transplante não dar certo. Fora isso, nunca tive medo”, afirma a doadora decidida. Porém, ela reconhece que sempre existe uma preocupação por se tratar de uma cirurgia.
Pós-cirúrgico
Após a cirurgia, a doadora afirma que não teve nenhuma reação, inclusive, saiu andando do hospital no dia seguinte. Com uma semana, voltou a trabalhar. Ela conta que a dor, em seu caso, foi leve. “É muito parecida com uma dor muscular, quando fazemos bastante exercícios”.
Futuro
Após a doação, é possível doar novamente. Normalmente, a medula se recompõe em cerca de 15 dias em uma situação comum. A partir disso, a pessoa já está apta a uma nova doação. “Eu quero doar de novo. Gostaria de poder ajudar mais alguém. Para mim, não fez falta nenhuma e ainda acho que meu telefone tocará novamente. O cadastro continua ativo e, quando acharem compatibilidade, vão me ligar”, afirma, confiante, Roberta.