Alguns termos foram utilizados para nomear essa sensação: falta, vazio, buraco
Muitas vezes, nos deparamos com uma sensação de que nos falta “algo”, algo que parece que não é deste mundo,
pois, parece que não se encontra, ou logo que se encontra essa sensação de completude passa e logo aquele vazio volta a tomar conta do nosso interior.
Olhamos ao redor de nós mesmos, vemos que, muitas vezes, temos o necessário para viver, saúde, conforto, tem-se um trabalho, estudo, uma família, um companheiro(a), bens materiais, enfim, de alguma forma não nos falta nada, mas, aquele “buraco” persiste. Chega-se até a sentir-se culpado por ser tão ingrato, reclamando de “barriga cheia”, como diria o senso comum.
Alguns exemplos como alguém que pensa que só será feliz quando conseguir ter aquele trabalho tão bem remunerado, conseguir comprar a casa ou o carro dos sonhos, graduar na faculdade, conquistar aquela pessoa e se casar com ela, ter filhos, ou qualquer que seja o desejo mais íntimo de cada um. Ocorre que, quando se está no caminho da busca da realização dos nossos desejos e também depois que se consegue realizar, haverá por um tempo que não é possível mensurar, porque para cada um haverá um tempo singular, a sensação de completude. Ter-se-á a percepção de se estar totalmente preenchido e completo internamente. Esse período pode durar anos, décadas, mas, em algum momento, a sensação da falta retornará.
Vão sempre existir pessoas que conseguem lidar bem com essa sensação e sempre estarão em busca de algo novo em suas vidas. Nem mesmo se questionarão por esse sentimento de vazio. Outras se questionarão, ficarão extremamente incomodadas, agoniadas, angustiadas, muitas padecerão de depressão, buscarão se anestesiar nas drogas, chegando até o extremo do suicídio por conta do sofrimento psíquico. É como não encontrar a razão de viver ou a missão de vida.
Frases como “só Deus pode preencher esse vazio” serão muitas vezes ouvidas. Com certeza, para algumas pessoas em sua singularidade, essa busca em Deus pode “tampar” essa falta. O alimento espiritual é um grande apoio ao ser humano. Mas, o ser humano não é apenas um ser espiritual, é também físico, emocional, social. Tem de se cuidar de todas essas áreas/faces. A questão é que essa sensação de vazio é existencial, é estrutural, é inerente, isto é, ela faz parte do ser humano, não tem como se livrar dela, apenas parcialmente, ou seja, por algum tempo. Vamos oscilar entre nos sentir preenchidos ou vazios. Em vários momentos da vida, isso vai ocorrer. As pessoas acabam se sentindo mais culpadas ainda quando, ao buscar Deus, elas se cobram por terem que se sentir totalmente completas, pois nossas crenças religiosas nos fazem assim pensar. Então, como já mencionado, iremos buscar tampar nossas faltas nas nossas várias faces de ser humano (física, espiritual, emocional, social).
Alguns termos foram utilizados para nomear essa sensação: falta, vazio, buraco. Existe até um autor da Psicanálise, Jacques Lacan (1901-1981), que criou um conceito específico para tal, “objeto a” (objeto pequeno a). Portanto, há muito tempo que estudiosos da psicologia, filosofia, teologia entre outras áreas de estudo, sentiram que esse tema é pertinente ao ser humano e vem sendo estudado e tentado ser compreendido.
Imaginemos que fosse possível acabar com essa sensação de vazio, que fosse possível o ser humano sentir-se plenamente completo e satisfeito, então não haveria mais motivos para se continuar vivendo, não haveria mais sonhos, mais objetivos, mais o desejo de buscar o que quer que seja, pois tudo já foi conquistado e realizado. O vazio não é de todo ruim, porque é ele que nos move na nossa vida. Portanto, ele pode servir de uma “unidade dosadora” de que quando ele começa a aparecer e persistir é um sinal de que está na hora de nos “mexer na vida”, de buscarmos algo novo, mudanças talvez.
Não existe um manual de instruções para como lidar com os nossos vazios, com as nossas faltas, pois é cada um de nós que vamos percebendo o que pode saná-los parcialmente. Buscamos estar sempre felizes, sempre sorrindo, que só coisas boas nos aconteçam, estar sempre bem.Essa felicidade plena só existe nos contos de fada, a vida real é bem diferente. A vida é feita de altos e baixos assim como o gráfico de um eletrocardiograma – quando ele marcar um traço contínuo é porque não existe mais vida nesse corpo. Enfim, temos que saber, então, que não teremos a plenitude da satisfação e completude, que o que precisamos é saber viver a vida lidando com nossas faltas ao invés de querer acabar com ela. Esse saber é libertador.