Esta semana, a Gazeta de Cosmópolis realizou uma entrevista com o mecânico Ruy Morelli, 79 anos. Ele conta como é ter nascido e crescido com a cidade e como foi abrir a Oficina do Ruy.
GAZETA de COSMÓPOLIS: Onde nasceu e como foi desde então?
Ruy Morelli: Nasci em Cosmópolis mesmo, meus pais também nasceram aqui. Meu pai tinha uma sapataria e minha mãe era dona de casa, mas, o ajudava na fábrica de sapatos.
Minha infância foi muito boa, tive muita coisa diferente, muitos acontecimentos bons e ruins. Durante minha infância, Cosmópolis tinha apenas 6 ruas: a Baronesa, Campos Sales, Ramos de Azevedo, que não tinha nada, Getúlio Vargas, que na época não era esse nome ainda, um pedaço da Silva Teles e a Avenida Ester, que era comprida e saía para Artur Nogueira.
GAZETA: E a família hoje? Qual sua formação e quando decidiu trabalhar como mecânico?
Ruy: Tenho um casal de filhos, quatro netos e dois bisnetos. Sou casado há 55 anos. Não me formei, apenas terminei a escola e comecei a fazer cursos relativos à mecânica, mas, quando terminei, já estava trabalhando direto com carros, na época de 1968.
GAZETA: Como foi o primeiro contato com o ofício de mecânico?
Ruy: Eu tinha de 7 a 8 anos. Fui ajudar um tio a fazer um serviço no carro. A primeira vez que entrei embaixo de um automóvel, foi para segurar um parafuso (risos). Sempre gostei de máquinas e sempre mexi com muitos tipos delas. Quando adolescente, comecei a trabalhar com motos e muitos carros antigos, vi a evolução dos automóveis e fui levando a vida assim.
GAZETA: Sempre trabalhou como mecânico?
Ruy: Não, quando foi fundado o Gepan, trabalhei como inspetor de alunos, de 1958 até 1972, pois, na época, tive uma alergia nas mãos por conta da gasolina. Fiz tratamentos e um dos médicos disse que era melhor parar por uns tempos. Também fiz cursos em fabricantes de peças, como Bosch, Marelli, Brosol e diversos cursos de mecânica automotiva no Senai. Continuei com a oficina em casa, porém, com cautela, entretanto, trabalhando como funcionário efetivo do Estado.
GAZETA: Como era a relação com os alunos no Gepan?
Ruy: A relação com os alunos era muito boa, gostava do contato com a criançada, mas eu era linha dura. Até hoje, quando encontro ex-alunos, eles falam que tinham muito medo de mim (risos).
GAZETA: Quando decidiu abrir uma oficina?
Ruy: Eu já tinha a oficina antes de trabalhar como inspetor. Antes de sair oficialmente do Gepan, resolvi deixar a oficina regularizada, com toda a burocracia que tinha que ter, além de ter trabalhado em várias outras oficinas e concessionárias em Campinas. Com documentação, a oficina foi aberta no final de 1968. E, hoje, faz quase 60 anos que trabalho nisso.
GAZETA: E desde então, o que pode concluir desse ofício?
Ruy: Todo ofício é bom quando você gosta. Eu gosto de fazer a recuperação de carros antigos e trabalhar com todo tipo de máquinas. Normalmente, abro a oficina por volta das 7h30 e fico até às 21h00. Quando estou em casa sem fazer nada, venho na oficina, pois, faz fundo com a minha casa.
GAZETA: Quais as dificuldades que enfrentou com a oficina?
Ruy: Por mais que você saiba, você chega a uma conclusão que não sabe nada, está sempre aprendendo e sempre aparece algo novo e diferente. Quando a eletrônica embarcada começou a ingressar no mercado, foi uma época muito difícil, porque, com o governo militar, não acompanhamos o desenvolvimento do resto do mundo, então, ficamos bloqueados. Só em 1990 que a injeção eletrônica veio a ingressar e estávamos completamente desnorteados porque não acompanhamos o desenvolvimento e não tínhamos noção nenhuma, mesmo com cursos que começaram a surgir e escolas para isso eram mais difíceis ainda.
GAZETA: Quais dicas que pode dar para quem tem pretensão de abrir uma oficina mecânica?
Ruy: Vai de pessoa para pessoa, fazer cursos, correr atrás mesmo. Montar uma oficina sem conhecimento, hoje em dia, não tem mais jeito. Há muitos anos, conseguia-se fazer isso sendo apenas curioso; já, atualmente, não tem mais condições de começar pela curiosidade – em qualquer área, precisa ser especializado.
GAZETA: Em algum momento, o universo de trabalho atrapalhou a vida pessoal? O que fez para conciliar os dois como algo bom?
Ruy: Em nenhum momento, o trabalho me atrapalhou. Não existe milagre e nenhuma fórmula para a resolução disso. Depende do seu par, ter compreensão dos dois lados, saber aturar um ao outro e sempre seguir em frente.
GAZETA: Em questão de lucros, demorou para estabilizar ou sempre conseguiu manter-se?
Ruy: Vai muito da fase econômica do país. Hoje, por exemplo, não se trabalha mais com lucros como trabalhávamos no passado, porque todo mundo está sem dinheiro e isso afeta toda a atividade. Na época, foi fácil conseguir e manter um lucro, tudo depende do que você está sonhando, meu sonho era ter uma oficina e minha casa. Nunca tive vontade de ter grandes coisas, acho que isso não é o que interessa na vida, o que interessa é gostar de viver. Levar uma vida mais honesta e se contentar com o que tem e tudo o que conseguiu até hoje.
GAZETA: Pretende passar a oficina para algum familiar?
Ruy: Meus netos não gostam de mecânica e meu filho também não. Isso vai ficar mais como um hobby para eles, não deve ter continuidade na família.
GAZETA: O que pode falar sobre a vida até então?
Ruy: A vida é boa demais, nós quem a tornamos difícil. Você tem que correr atrás dos seus sonhos, procurar realizá-los. Nunca conseguimos fazer tudo o que sonhamos e quando chega a um ponto em que não temos mais perspectiva, não conseguimos mais fazer o que gostamos, acabando o interesse e, logo depois, a vida. Não é porque chega numa idade avançada, que você deve parar de continuar; quando você faz o que gosta, desenvolve uma maturidade para conciliar todas as coisas e ser sempre feliz.