“Esther” da Usina, Caridade, Avenida e do Progresso. Quem foi essa mulher, precursora de 141 anos de histórias

Há mais de 120 anos, seu nome é referência, marca, localização, símbolo do progresso industrial, agrícola e municipal. Um nome imortalizado em grandes empreendimentos, marcante na história do Estado e, principalmente, na cidade de Cosmópolis.
Esther, com th, ou com t, pela nova ortografia dos anos 1940, enaltecido em velhas placas de ágata, nomeando a principal Avenida de Cosmópolis, bairro, e a primeira escola infantil municipal.
Em Campinas, é localização no bairro Vila Nova, logradouro de casas e prédios residenciais, circunscritos na Rua “Dona Estér Nogueira”.
Imponente, esculpido em gigantescas peças de mármore italiano, ornamentado em letras de bronze, nomeia um dos mais famosos prédios da capital, o modernista “Edifício Esther”.
As homenagens trazem sempre uma dupla menção, a pessoa Esther, e a marca imortalizada com seu nome, a “Usina Açucareira Ester”.
Fundada em 1898, Cosmópolis desenvolveu-se junto com seu processo canavieiro, é a mais antiga indústria açucareira das américas, funcionando interruptamente, há 120 anos. O nome da secular usina e seu grupo agrícola industrial, são homenagens a Esther Coutinho Nogueira.
Mas quem foi Esther?! Referência diária para milhares de cosmopolenses, é conhecida avenida e usina, e desconhecida por muitos, a pessoa homenageada.
“Esther era de estatura mediana, olhos negros intensos, pele morena clara, típica nuance e estereótipo paulista. Sempre serena, falava calmamente, um jeito único, gentil e caridoso. Como era costume na época, falava e escrevia, em francês, inglês, italiano e espanhol. Assim como o latim, necessário para acompanhar as missas católicas, as quais frequentava assiduamente. Mulher de destaque nos grupos assistenciais, ajudava sem olhar a quem fosse o desvalido. Foi honrosa filha, progenitora e sobrinha, sempre enaltecida pelo estremo afeto e amor, como a mãe de toda família”.
Assim descreve a pessoa de Esther, seu neto, Paulo Nogueira Neto, em entrevista ao blog do Acervo Cosmopolense.
Esther Nogueira Ferraz, seu nome de solteira, a mais velha de 8 irmãos, filha do casal José Paulino Nogueira Ferraz e Francisca Coutinho Nogueira. Nasceu em um extinto casarão da família, localizado na atual Rua Barreto Leme, região da agência do INSS, marco do surgimento da cidade de Campinas.

DUMONTS COMO
AMIGOS DE INFÂNCIA
Esther iniciou os estudos no “Colégio Florence”, de propriedade de Carolina Florence e Hércules Florence, um dos inventores da fotografia, estudando com as irmãs de Santos Dumont, Francisca e Gabriela. A jovem Francisca de Paulo Dumont estava entre suas melhores amigas de infância, nascidas no mesmo ano.
Terminou os estudos no “Colégio Culto à Ciência”, o qual seu pai, José Paulino, foi um dos fundadores, em sociedade com Antônio Pompeu de Camargo, Campo Salles, Francisco Glicério, Américo Brasiliense, Prudente de Moraes Barros, entre outros. Importantes nomes do império, responsáveis pela proclamação da República, amigos e familiares dos Nogueiras.
Nesta mesma escola, seus irmãos mais novos estudaram com o jovem Alberto Santos Dumont, genro de João Manuel de Almeida Barbosa, dono da Fazenda do Funil. Propriedade rural onde, futuramente, em 1898, seria instalada a usina com o nome “Esther”, terras que originariam a atual cidade de Cosmópolis.

FEBRE AMARELA
E O AMOR PELA CARIDADE
A grande epidemia de febre amarela, responsável pela morte de milhares de pessoas em Campinas e região, mudava seu destino em 1889. Ano marcado pelo alastramento da doença, centenas de pessoas morriam semanalmente da misteriosa epidemia. Campinas, que estava sendo cogitada como a nova capital, era dizimada pelas incontáveis mortes.
Seu pai José Paulino, então presidente da Câmara de Campinas, foi um dos poucos políticos que permaneceram na cidade. Esther, irmãos e a mãe Dona Francisca ficaram na cidade, unidos com os princípios do patriarca, ajudando os milhares de doentes.
Esther, com 12 anos de idade, percorria com os irmãos as ruas, angariando alimentos aos desvalidos doentes, e recursos financeiros para as obras de saneamento, idealizadas pelo pai.
O frequente contato com os doentes infecta seus pais, José Paulino e dona Francisca. O pai consegue recuperar-se da doença; a mãe, não resistindo às várias sequelas, morre meses depois.

A FAMÍLIA EM
PRIMEIRO LUGAR
Esther era o reflexo e base do pai, permanecendo ao seu lado na viuvez , abandonou a própria vida pessoal, para cuidar da família. O primo Paulo de Almeida Nogueira ficou apaixonado pela marcante personalidade da jovem, propondo casamento ao seu pai. Esther aceitou, com uma condição, terminar a criação dos irmãos e estar sempre na companhia do pai.
Casou-se aos 18 anos de idade e, no mesmo dia do casamento, com uma cerimônia simples realizada na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em Campinas, os noivos mudaram-se para a capital. A residência, o casarão de José Paulino, localizado em lugar de destaque na Avenida Paulista.
A extinta construção, considerada uma das mais imponentes de São Paulo, era assinada pelo arquiteto e engenheiro, Ramos de Azevedo. O mesmo que construiu o Theatro Municipal de São Paulo, Mercadão, Pinacoteca, Catedral de Campinas, entre outras imortais obras.
Em Cosmópolis, Ramos de Azevedo projetou o complexo industrial da Usina Ester, extintos Palacete Irmãos Nogueira (Sobrado), e antiga Igreja Matriz de Santa Gertrudes, e o Mercadão de Campinas (então armazém da Carril Funilense). Entre outras edificações da família, sempre supervisadas, pelo escritório Dumont Villares, pertencente ao sobrinho de Santos Dumont, associado a Ramos.

USINA AÇUCAREIRA
ESTHER E FUNILENSE
Em 1898, com a oficialização das compras da Fazenda do Funil, surgia um dos maiores empreendimentos industriais do interior paulista, a construção da Usina Açucareira Esther. O nome, uma homenagem feita pelo Major Arthur Nogueira, a estimada sobrinha Esther. A Usina tinha José Paulino, e outros três familiares, como idealizadores e proprietários do audacioso empreendimento.
O projeto industrial e agrícola mudaria o cenário e a história de toda antiga região do Funil. Para transportar as produções da Usina Esther e demais fazendas do grupo, foi criada a “Companhia Carril Agrícola Funilense”, onde eram sócios os Nogueira, Coronel Silva Teles, Barão Geraldo de Rezende e João Manuel de Almeida Barbosa, antigo proprietário da Fazenda Funil.
Entre as várias locomotivas, importadas da Inglaterra, fabricadas exclusivamente à companhia, uma das principais recebia o nome de Esther Nogueira. A gigantesca “Maria fumaça”, movida pela combustão de lenha, transportava as produções da Usina, produtos agrícolas dos núcleos colônias e associados da Funilense, que seguiam com destino para Campinas e São Paulo.
Às margens das linhas férreas, surgiam os futuros municípios de Cosmópolis, Paulínia, Artur Nogueira, Holambra, Engenheiro Coelho, Conchal, Americana, entre outros municípios da região, formados através dos caminhos abertos pelas estradas de ferro.
O esposo, Paulo de Almeida Nogueira, foi nomeado como um dos principais diretores da Usina, sendo responsável pela empresa e demais grupos agrícolas da família.
Esther, sempre ao lado do esposo, vivia entre São Paulo e Campinas, residindo na Fazenda São Quirino, mais antiga fazenda em atividade do Brasil, propriedade da família do esposo, e o Sobrado da Usina.
Nestes percursos pelas propriedades da família, nasciam os filhos, Paulo Nogueira Filho e José Paulino Nogueira. Paulo, o Paulito, como era carinhosamente apelidado pela mãe Esther, destacou-se em várias áreas, sobretudo a literatura, jurídica e histórica, e a política estadual.

REVOLUÇÃO
CONSTITUCIONALISTA
DE 1932
Paulito foi um dos principais líderes da Revolução Constitucionalista de 1932, utilizando o Sobrado da Usina como sede de comandos dos generais e capitães do movimento. O complexo industrial da Usina mantinha soldados, chegando até a serem criados projetos para a fabricação de munições.
Esther, ao lado do esposo e filho, angariavam fundos para financiar o ideal paulista da nova constituição, assim como destituir o ditador Getúlio Vargas.
Nos meses da revolução, Esther fixou residência na São Quirino e Cosmópolis, devido aos constantes bombardeiros e agitações da capital. Na região, coordenou, com o filho, a campanha “ouro para o bem de São Paulo”, que buscava financiar os suprimentos às tropas paulistas.
Em Cosmópolis, as centrais de arrecadação organizadas com apoio de Esther e Paulito ficavam no sobrado e estação Sorocabana.
Em 12 de junho, completaram-se 141 anos do seu nascimento. Marcando neste mês, dia 06 de novembro, 77 anos da sua morte, em 1941. Esther faleceu aos 64 anos de idade e, em seus últimos anos de vida, residiu na Fazenda São Quirino. Entre os principais agravantes de sua morte, o sofrimento pela ausência do filho Paulito, exilado pelo ditador Getúlio Vargas, no fim da revolução de 1932.

Neste ano, a Usina Ester completou 120 anos de fundação, preservando não somente sua história industrial e comercial, mas também a memória de Esther. São realizadas anualmente as missas em graças às safras e saúde dos trabalhadores, doações de frutas dos pomares da usina, assim como ajuda financeira às entidades filantrópicas, e os tradicionais presentes de natal aos filhos dos funcionários. No passado, ações realizadas pessoalmente por Esther.

ESTERZINHA
A popular “Esterzinha”, sorridente menina que simbolizou durante décadas a marca Ester, não é inspirada na precursora da Usina. Os traços são marcantes, eternizados na memória de gerações. Um laço na cabeça enfeita o cabelo chanel com franja, vestido com gola e o peculiar sorriso.
A menina enaltecida como logo industrial do grupo agrícola Ester, símbolo internacional do famoso Açúcar Ester, surgiu inspirada na filha de um funcionário.
A sorridente menina, durante mais de 60 anos, foi um dos personagens mais importantes da história industrial paulista, como na história de vida de milhares de cosmopolenses.
Nas emissoras de rádio, a voz de uma menininha dizia: “Se não for Ester, a mamãe não quer”. Encerrando com o “slogan” do produto de exportação internacional: “Açúcar Ester adoça muitooo mais”.

Texto: Adriano da Rocha
Historiador, responsável pela página e blog Acervo Cosmopolense