Existências LGBTQIANP+em cidades pequenas

“Você já sofreu algum tipo de preconceito por ser LGBT ou por aparentar ser?”

Antes de mergulhar nas existências LGBTQIAPN+ em cidades pequenas ou muito conservadoras (geralmente é um combo), farei um recorte importante: questões raciais, de idade, de classes sociais, de deficiências físicas ou intelectuais, de gênero etc. – todas devem ser levadas em consideração durante a leitura deste artigo, visto que, uma ou a soma delas, atravessa individualmente cada realidade, e, claro, afeta histórias múltiplas, que acabam por encontrar um círculo comum, os LGBTs, no caso. Importante diferenciar interior de grandes centros urbanos: fora de regiões metropolitanas, considera-se interior já, mas cidades menores, ainda que adjacentes às metrópoles, também serão levadas em consideração aqui.
Conversei com diversos conhecidos LGBTs do Brasil todo, do Sul ao Norte, e ouvi suas histórias, bem como as que eles testemunharam em suas vidas, durante diferentes estágios: crianças, adolescentes, adultos ou idosos:
A 1ª pergunta que fiz foi referente à infância e às lembranças que tinham de pessoas LGBTs em suas cidades, como elas eram tratadas, mas, principalmente, se com trato respeitoso. A maioria disse que não conheceu nenhum LGBT ou que não sabia responder. Todos lembraram de personagens de televisão, retratadas de forma jocosa e pejorativa, como no caso do antigo bordão dito por um pai à audiência, em horário nobre, diante da homossexualidade do filho: “onde foi que eu errei?”. Alguns, por fim, lembraram saber, enquanto crianças, de figuras conhecidas de suas cidades, definidas exclusivamente como o gay ou a lésbica do bairro tal, por exemplo, mas que nunca tiveram contato estreito, pois não eram pessoas bem vistas.
Outra pergunta, sem menção à idade, foi: “você já sofreu algum tipo de preconceito por ser LGBT ou por aparentar ser, antes de se identificar como um?” – As respostas foram categóricas: variações de “sim, muitas vezes.” O desenrolar, mais individual, mas tangenciando histórias de agressões físicas – espancamentos a si, até o assassinato de tal conhecido; agressões verbais em comunidades escolares ou em quermesses municipais e festas de família, passando por casos de xingamentos sutis e outros de ridicularização pública constante, sem qualquer amparo social ou colo amigo. Muitas respostas atravessaram, inclusive, o despreparo de qualquer instituição para o acolhimento de indivíduos expulsos de casa, para assistência médica ou psicológica adequada, a falta de práticas para conter evasão escolar por tais motivos, e nenhuma iniciativa de profissionalização de pessoas em situação de vulnerabilidade – o que perpetua a marginalização que, infelizmente, servirá de exemplo de LGBTs para crianças até hoje. Importante ressaltar que o número de pessoas LGBTs que reprimem e invisibilizam sua sexualidade, total ou parcialmente, nestas cidades é totalmente desproporcional para maior ao das metrópoles, que tendem a ser mais progressistas no sentido de humanização de consciência coletiva.
As duas últimas perguntas foram sobre a existência ou não de dificuldades para se relacionar afetivamente e sobre ser (ou ter sido) necessário fingir uma hetero e cisnormatividade para conseguir trabalho. Desconfortavelmente, alguns disseram não ter problema em ambiente tal, mas em outro, sim, para, por exemplo, dar as mãos aos parceiros. Outros, quase que pedindo desculpas, comentaram preferir não incomodar ou se retirar de locais que não os recebam bem, sem alarde. Para emprego, relatos de não contratação por questões de sexualidade evidente, disfarçadas de vagas já preenchidas (sem terem sido), ou de comerciantes pró-diversidade no discurso, mas não na prática, pipocaram.
Aqui, mostrei um panorama social visto como padrão das cidades brasileiras, mas ampliado nas menores e interioranas – uma visão macro de como a população LGBTQIAPN+ sofre descasos das diversas camadas que constroem a sociedade, enquanto, a maior parte da outra parcela sistematiza isso, conscientemente ou não, contribuindo para o reforço do que se resume em uma palavra muito triste: desigualdade. A visão micro virá num próximo artigo, mas, se não amparo social, caso consiga, seja colo desde já para alguém que precisa – sejamos, todos, parte da mudança que precisamos ter. Movimente-se!
Diversifique seu dia a dia com:
Série: Queer Eyes Brasil (Netflix).
Livro: Quinze Dias (Vitor Martins).

Juh Brilliant
Escritor, pedagogo e fotógrafo