A cidade traz, juntamente a seus 73 anos, grandes figuras com as mais diversas histórias de vida. Algumas que a viram nascer, crescer e se tornar o que hoje conhecemos por Cosmópolis.
João Gallani, atualmente com 84 anos de idade, é, sem dúvida, uma dessas figuras. O antigo sitiante, além de toda sua bagagem pessoal, traz consigo o titulo de filho e irmão de ex-combatentes.
O pai, José Gallani, quando jovem, fora convocado a servir o estado de São Paulo na Revolta Paulista de 1924, também conhecida como Movimento Tenentista – este que contou com a participação de diversos estados brasileiros para lutarem contra problemas políticos da época.
Além da experiência militar, o pai trouxe diversas histórias daquele período. João Gallani conta que, uma das coisas da qual o pai mais se recordava, eram as dificuldades que passou.
A Revolta aconteceu em meados de julho e, naquela época, o frio era demasiadamente intenso. Gallani afirma que seu pai, como sitiante do interior do estado, sofrera muito com o inverno paulistano. Além disso, os jovens soldados se viram, em diversas ocasiões, obrigados a pedir comida em casas de moradores comuns. “Alguns eram gentis e os ajudavam, mas a grande maioria tinha medo, ainda mais quando os viam com toda a munição que carregavam”, conta o senhor.
Já o irmão José foi convocado a servir o ex-presidente, João Goulart, popularmente conhecido com Jango. “Lembro-me como ontem o quanto minha mãe, Tercilha Dias, chorou quando meu irmão foi convocado. Na época, ele recebeu um telegrama e uma carta de convocação. Eu não tive tanto problema com isso, porque sempre rezava por ele e confiava que nada iria lhe acontecer”.
José fazia parte do plantão de soldados que vigiavam a chácara onde Jango se instalava. “Não foi nada sério como o que meu pai passou. José ficou fora, junto a mais outros cinco ou seis jovens cosmopolenses, por mais ou menos um ano e meio”.
Mas, apesar dos grandes fatos sobre seu pai e irmão, João Gallani também possui uma história de se admirar, já que viu a pequena “vila”, como era conhecida pela população sitiante, se tornar uma cidade que, até hoje, está em constante evolução.
O pai não era rico e os onze filhos dentro da casa demandavam uma boa renda. Foi pensando assim que o jovem João Gallani resolveu tornar-se barbeiro. “Naquela época, não havia quem cortasse cabelos pelas áreas sitiantes, por isso, decidi ser o primeiro”, conta. Com 17 anos e completamente inexperiente, Gallani, a princípio, executava o trabalho sem cobrar nada. “Como eu poderia cobrar se nem sabia fazer um corte direito?”, pergunta, em meio a risos.
Mas, o jovem empenhou-se e, com grande frequência, ia trabalhar em barbearias da cidade para aperfeiçoar a tarefa. Com isso, pode cobrar de seus clientes e ajudar a grande família. “Se na cidade um corte custava um real, no sitio eu cobrava vinte e cinto centavos. Foi assim que vivi durante um tempo”.
Com 25 anos, casou-se com Ireni Nenge, continuando como barbeiro pelos 17 anos seguintes. Durante esse período, um dos barbeiros da cidade, sabendo da fama de João, ficou descontente com a situação, pois, com um deles no sítio, não se fazia necessário que a população de lá fosse até a cidade cortar o cabelo. Por isso, o intimaram para anunciar a necessidade do pagamento de impostos como o INPS, na época. Gallani assim o fez.
Os anos passaram, João saiu do sítio e, juntamente com sua família, iniciaram a construção de algumas casas para aluguel. Foi assim que, de barbeiro, ele se tornou carpinteiro. Com o salário que recebia, comprava os materiais e os usava nas obras que havia iniciado. Mas, o ofício de carpinteiro não durou muito, e o fim das construções levou João às barbearias por mais 23 anos. Após abandonar a profissão definitivamente, João afirma ter encaixado em seu currículo uma tarefa a mais: ele, juntamente à sua filha, Maria Silvia Gallani, administraram uma lotérica.
Com 84 anos, João deixa claro que não sente e nunca sentiu saudade do sítio, e que ter visto a cidade crescer é seu motivo de orgulho. “Lembro-me da primeira tourada que foi organizada em Cosmópolis para a construção do Hospital. A Usina foi a responsável. Inclusive, ainda guardo minha primeira carteira de saúde!”, conta. Com um ar nostálgico, ainda relembra que participou dos primeiros times de futebol da cidade.
Hoje, viúvo, ex-barbeiro, carpinteiro e administrador, João Gallani vive orgulhoso de quem foi e é. Em meio a lembranças físicas e emocionais, o aposentado se diz feliz e satisfeito com tudo que a vida lhe proporcionou.