Órfã muito cedo, Gabrielly precisou aprender a controlar suas emoções e valorizar oportunidades
“Vão te questionar, vão te olhar feio, não vão entender sua história, mas, tudo é uma questão de fase…”
Gabrielly Regina Pereira tem 18 anos de idade, e se tornou uma personalidade de história comovente do município de Cosmópolis. Gaby, como ficou carinhosamente conhecida pelos amigos, teve uma infância e adolescência difíceis quando sofreu perdas sequentes, como a mãe, posteriormente o pai e, aos 12 anos de idade, a avó. Foi assim que Gaby começou uma história de superação quando foi morar num abrigo – O Projeto Arco-Íris, hoje Lar Arco-Íris. Acompanhe parte desta comovente história a seguir.
O início
“Na primeira vez que eu fui para o Projeto, tinha 12 anos. Estava naquela fase em que eu estava querendo me tornar adolescente, mas, não queria deixar de ser criança; então, foi uma transição muito difícil. Acho que, nessa fase, fiquei um pouco rebelde e, na época, eu dava muito trabalho no abrigo. Era uma adolescente muito difícil mesmo, não gostava de ir para a escola porque eu não tinha onde expressar a raiva. Deixava de ir para a escola e aí, no 7° ano, cheguei a reprovar por não querer ir para a escola…”, conta Gaby.
Tempos fora
“No Lar, existe um trabalho voluntário onde as crianças passam as férias na casa de alguém. Foi aí que eu fui passar as férias na casa de uma família. Depois disso, passei 4 anos com eles. Depois, nos mudamos para Barão Geraldo, só que acabou não dando certo porque eles tinham outros filhos e o convívio não deu muito certo; eu voltei para o Projeto”, conta.
Amadurecimento
“Aí eu estava mais madura, já estava mais focada na escola e, com 14 anos, já sabia o que queria da minha vida. Já ajudava as ‘tias’ do Lar a cuidar das outras crianças, ajudava a manter a casa limpa e organizada. Comecei a fazer curso, fiz cursos na escola Giga de informática, fiz curso de inglês no CNA e aula de canto com o Instituto Grupetto. Na época, tinha aqueles projetos na escola de teatro e fiz teatro também na Escola Paulo Freire. Como eu fazia o teatro e as aulas de canto, decidi que queria ser artista…”, afirma Gaby.
O trabalho
“Com 16 anos, comecei a trabalhar. Entrei no Camp, fiz a prova e passei no processo seletivo. Tive meu primeiro emprego, onde fiquei por um ano e meio. Foi muito bom, foi uma grande oportunidade de primeiro emprego. Eu comecei a conquistar o meu dinheiro com 16 anos e eu queria ser ‘livre’. Precisava disso, ser livre comigo mesma, entender tudo o que aconteceu na minha vida, a perda dos meus pais, da minha mãe, da minha avó… Eu era muito novinha e questionava muito o porquê aquilo tinha acontecido, por que eu não tive a oportunidade de ter os pais presentes e por que tinha outras pessoas que tinham pais e não sabiam valorizar…”, fala Gaby.
Superação
“Eu comecei a entender. Parei de me questionar, parei de perguntar tanto. Depois que eu saí do Camp, fiquei um mês desempregada. Trabalhei na Escola Giga, onde permaneci por três meses”, diz Gaby.
Mais uma saída
“Fui morar com a minha tia. Eu saí do projeto um pouquinho antes de completar 18 anos, mas, ainda tinha contato com as ‘tias’, porque tinham aquelas visitas sociais. Depois disso, teve a audiência para encerrar o caso. Quando fui morar com a minha tia, fiquei um ano e um mês com ela. Agora, eu moro sozinha”, esclarece Gaby.
Esforço
“Eu trabalho na empresa Motiva, em Campinas. Terminei o Ensino Médio no ano passado, graças a Deus, porque o horário do serviço não batia com o da escola. Eu ficava muito cansada e tinha dificuldades para acordar cedo. Então, eu estou trabalhando e penso em continuar com os meus estudos”, enfatiza Gaby.
Conselho
“Eu vejo algumas adolescentes do abrigo agora e algumas com quem eu até cheguei a conviver lá, e elas têm um pensamento totalmente diferente. Quando eu voltei para o abrigo, eu voltei com um pensamento totalmente diferente, era outra pessoa, não dava mais trabalho. Porque eu decidi que se eu não mudasse, não ia adiantar as ‘tias’ ficarem chamando minha atenção, me colocando para pensar, porque não ia fazer diferença nenhuma.
Eu já ia completar 18 anos e o que eu iria fazer da minha vida? Isso é uma coisa que as meninas do Lar não pensam e aí fica muito difícil”, afirma Gaby.
Valor
“Eu penso que elas poderiam ter as mesmas oportunidades que eu. Todas as oportunidades que eu tive, agarrei, mas, algumas a gente acaba perdendo por não saber aproveitar. Eu gostaria que elas tivessem essa mesma mente, porque existem, sim, muitas pessoas pra te ajudar, mas, têm mais pessoas ainda pra te derrubar”, fala Gaby.
O Projeto abriu portas
“O Projeto me permitiu várias oportunidades. Os cursos que eu tenho hoje, foram graças ao Projeto – O Lar Arco-Íris, pois eles que conseguiram muitos cursos e oportunidades para mim”, conta Gaby.
Fases
“Na adolescência, eu tive muito receio, até mesmo na escola, de falar que eu morava no abrigo, porque as pessoas não achavam uma situação normal. Eu não podia sair todos os dias, pra poder ir para as festas. Eu tinha hora para sair e para voltar. Hora para comer um lanche, tomar um açaí e as pessoas não conseguiam entender.
No começo, foi muito difícil, tinham pessoas que acabavam não entendendo porque, na minha cabeça, quando eu fui, não era normal, eu não aceitava a situação de morar no abrigo, mas, por situações da família, que o relacionamento nem sempre foi muito bom, acabou acontecendo tudo isso. Sofri a perda dos meus pais e aconteceu. Porém, há pessoas que não acham normal e é muito difícil. Por isso, antes de sair de lá, eu tinha certo receio, mas, hoje em dia, não mais”, confidencia Gaby.
A perda dos pais
“Eu não cheguei a conhecer a minha mãe. Eu sei quem é porque as pessoas me contam. Minha mãe morreu quando eu era bem novinha, acho que eu tinha apenas dois anos de idade e ela também morreu nova, se não me engano, com a minha idade, 18 anos. Ela tentou abortar o meu irmão e, como ela tinha problemas no fígado devido ao consumo de bebidas alcoólicas, somou ao processo do aborto com o problema do fígado e ela veio a falecer; faleceram ela e meu irmão.
Meu pai, na época que faleceu, morávamos em Limeira. Ele foi morto quando eu tinha 7 anos de idade. Depois disso, minha avó ficou comigo. Depois de um tempo, a gente se mudou para Cosmópolis e, passado um tempo, ela teve infarto e também partiu. Acredito que ela se foi por conta da tristeza, ela era muito apegada ao meu pai”.
Mensagem
“A mensagem que deixo para as outras crianças órfãs ou moradoras do Projeto é que elas valorizem as oportunidades que tiverem ali. Porque quando eu estava nessa fase que elas estão, de querer fugir, de querer aprontar, de desobedecer as ‘tias’, eu não tinha ninguém para me falar que aquilo era algo ruim e, se eu mudasse, isso iria me trazer um benefício e novas oportunidades. Eu não tinha ninguém.
As ‘tias’ falavam e não entrava na minha cabeça. Eu não tinha ninguém para compartilhar e, para mim, aquilo nunca iria passar. Eu poderia ter começado a fazer os cursos antes, ter aproveitado antes, e elas podem agarrar as oportunidades e fazer algo por elas mesmas, porque depois dos 18, o que você irá fazer? Acho que essa é a mensagem. Agora, é uma fase bem ruim, sei que é difícil e como eu sei… Vão te questionar, vão te olhar feio, não vão entender sua história, mas, tudo é uma questão de fase”, enfatiza Gaby.
Agradecimento
“Muitas pessoas têm certo preconceito com o abrigo. Hoje, vejo que o abrigo me deu a oportunidade de ser quem eu sou hoje. Me profissionalizou como eu não conseguiria sozinha, me deu a oportunidade de ser quem sou hoje: determinada!”, finaliza Gaby.
Vale lembrar que o Projeto Arco Íris se trata de um Lar temporário para crianças órfãs e vítimas de maus-tratos encaminhadas pela Justiça.