Crianças que aprendem sobre empatia e aceitação são menos propensas a praticar bullying e mais aptas a defender colegas que possam ser marginalizados
A infância é um período de descobertas, formação de identidade e de experiências que moldam profundamente o adulto em que nos tornamos. Para crianças LGBTQIAPN+, esse processo é, muitas vezes, atravessado por descrenças, preconceitos e traumas causados por violações de gênero e sexualidade, mesmo que essas crianças ainda não compreendam exatamente quem são, como se identificarão no futuro, ou o que estão vivenciando. Em uma sociedade que, frequentemente, impõe normas rígidas e binárias de comportamento, os desafios enfrentados desde cedo podem trazer desdobramentos sérios, tanto no âmbito social quanto na saúde emocional e mental dessas crianças.
Crianças LGBTQIAPN+ muitas vezes crescem cercadas por mensagens que invalidam quem são. Brincadeiras, roupas e modos de agir que não se encaixam nos estereótipos de gênero podem ser criticados ou até punidos por adultos e colegas. Situações como essas levam à internalização de sentimentos de inadequação, medo e solidão. Um exemplo claro é o bullying motivado pela percepção de que a criança “não se comporta como deveria”, algo que pode parecer inocente para alguns, mas que gera feridas emocionais duradouras. Estudos mostram que crianças LGBTQIAPN+ têm uma probabilidade significativamente maior de sofrer de ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos devido a essas violências.
É importante salientar, contudo, que as narrativas não precisam ser sempre negativas. Quando há apoio, aceitação e um ambiente acolhedor, as crianças LGBTQIAPN+ podem crescer com uma sensação de segurança e pertencimento, o que favorece um desenvolvimento emocional mais saudável e integrado. Famílias e educadores que reconhecem a diversidade desde cedo ajudam a criar um futuro adulto que não precisa se curar das feridas do passado – algo que deveria ser primordial na formação de qualquer ser humano. Infâncias leves e livres de preconceito são aliadas poderosas na construção de uma estrutura social mais justa, pois essas crianças crescem com menos medo e mais disposição para contribuir positivamente para a coletividade.
Um exemplo desse acolhimento positivo pode ser visto em escolas que promovem semanas de conscientização sobre diversidade e inclusão, ensinando desde cedo sobre o respeito às diferenças. Crianças que aprendem sobre empatia e aceitação são menos propensas a praticar bullying e mais aptas a defender colegas que possam ser marginalizados. Além disso, quando pais ou responsáveis se mostram abertos ao diálogo e prontos para apoiar suas crianças, independentemente de como elas se identificam ou se expressam, isso cria um círculo de confiança e autoestima que contribui para uma vida adulta mais plena.
Então, como agir diante de situações cotidianas que envolvem preconceito? Em primeiro lugar, é importante que o adulto não reforce estereótipos. Por exemplo: comentários como “isso é coisa de menina” ou “meninos não fazem isso” devem ser substituídos por falas que incentivem a criança a explorar o mundo ao seu redor com mais autonomia. Outro ponto essencial é a intervenção imediata em casos de bullying. Não minimizar a gravidade dos episódios e mostrar que todos merecem respeito é crucial. Além disso, encorajar conversas abertas e sinceras sobre a diversidade humana ajuda a desconstruir preconceitos desde cedo.
Conselhos de alguém que já foi uma criança LGBTQIAPN+ que não sabia sequer o que ser gay significava, mas passou a infância e adolescência sofrendo com bullying de variados tipos vindo de adultos e de outras crianças, eu, hoje, me entendendo perfeitamente como umhomem cisgênero e gay, cidadão cosmopolense, bem como pedagogo em exercício na rede educacional do município, ou seja, que lido com a infância todos os dias, lhes posso dar são: não ignore; não invalide; não suponha que “é só uma fase” e que a criança vai “superar”. Crianças LGBTQIAPN+ precisam de espaço para se sentirem seguras em suas identidades, e negar isso pode trazer consequências que vão desde baixa autoestima até problemas mais graves na vida adulta, como isolamento social, dificuldades em estabelecer relacionamentos saudáveis e sérias questões relacionadas à saúde mental.
Neste Dia das Crianças, a reflexão sobre como podemos ajudar a construir infâncias mais acolhedoras para todos é o meu pedido, como de muitos da minha comunidade, tenho certeza. A aceitação e o respeito à diversidade são, afinal, o alicerce de uma sociedade mais justa e inclusiva. Que possamos ensinar nossas crianças a viver em um mundo onde ser quem se é nunca seja motivo de sofrimento, mas sim de orgulho e alegria. Afinal, se não ensinarmos, nós adultos, seremos os espelhos que ensinarão o oposto: sofrimento, vergonha e tristeza.
Ao apoiarmos todas as crianças, LGBTQIAPN+ ou não, e as educarmos sobre a importância do respeito e da empatia, estamos plantando as sementes de um futuro mais inclusivo e saudável para todos. O caminho para uma sociedade mais justa e bonita começa na infância — e está em nossas mãos fazê-lo florescer.