Instinto de Criança

Ele estava preparando a programação de rádio, quando ela ligou. Era uma ouvinte que ele não conhecia. Apresentou-se dizendo que gostava do que ele fazia e que seu filho de dez anos também gostaria de lhe conhecer. Falou de sua saúde, estava muito deprimida e que achava que iria morrer.
Na conversa, pediu-lhe que tivesse paciência e que a vida é assim mesmo, mas que o “amanhã” sempre é um novo dia. Confessou-lhe alguns problemas com ele também. Que algumas vezes a gente fica assim mesmo e até sentimos que Deus está distante de nós, mas a verdade é que nós é quem estamos nos distanciando Dele. “Vá até uma igreja e peça que orem por você” – arrematou.
Depois de muita conversa, entendeu que o assunto era mais sério, pois ela era portadora de uma doença incurável. Em outros telefonemas, contou-lhe que a médica aconselhara não revelar o fato ao seu filho, uma vez que isso seria traumático demais para a criança, mas o que a doutora disse não lhe pareceu correto.
Sabendo de seu segundo emprego, onde ele está sempre envolvido com pessoas que sofrem perdas familiares, ela pediu que ele falasse o que achava disso tudo. Ele disse que não saberia falar sobre isso, e que esse tipo de assunto somente vivendo para saber de nossa reação, mas que lera, certa vez, que os profissionais desta área sempre dizem que nosso coração é mais esperto que o cérebro e que ela mesma deveria saber o que era melhor para o seu filho.
Logo naqueles dias ele ficou sabendo de uma palestra de um psicólogo, então, ligou para ela e pediu que fosse assistir, e que o assunto era sobre como as crianças enfrentam a morte. Ela prometeu que iria.
Numa outra semana, também pelo telefone, pediu para lhe fazer uma visita. Conhecê-la pessoalmente. Ele aceitou e disse que fazia questão. Ela ficou feliz! Quando marcaram a data, acondicionada aos seus dias que não estava sob os efeitos do medicamento, ela sorriu:
– “Venha logo mesmo! Estou ansiosa para te conhecer…”

Oscar do Carmo Silva Neto MTB – 66134-MT/SP
saudadedaminhaterra@hotmail.com.br
Rádio Livre Expressão Web
Programa aos domingos
Horário: 12h até às 15h
(19) 99752-3636

Quando chegou a sua rua, bateu a um portão de esquina com um terreno na frente e uma casa nos fundos, ninguém veio atender. Ouvia que um papagaio repetia algumas palavras nos fundos do corredor e logo uma voz fraca. Lá de dentro, alguém gritou:
– Estou aqui no quarto. Pode entrar… Viu o seu contentamento quando a abraçou. Não pode deixar transparecer a emoção.
Conheceu uma mulher frágil deitada numa cama de madeira improvisada.
Praticamente debilitada. Perguntou sobre suas necessidades e cuidados, ela falou de uma amiga, que estava sempre com ela. Da separação do casal já há alguns anos. Havia sofrido muito, mas que já estava acostumada. Tinha apenas o menino em sua companhia e que estava na escola naquele momento. Quando perguntou pela palestra, ela lhe agradeceu pela dica e tentou explicar o que entendera que o doutor disse:
“… que as crianças percebem a verdade antes que alguém lhes conte e que, quase sempre, esperam até sentir que os adultos estejam preparados para expor os fatos antes que elas mencionem suas preocupações e dúvidas”. Lembrou que ele ainda disse:
“…que as crianças lidam melhor com a verdade do que com a negação dos fatos, mesmo que tal negação tenha o propósito de protegê-la do sofrimento. E que devemos respeitar as crianças fazendo com que elas participem da tristeza da família, sem que se sintam excluídas…”
A partir de tudo isso, acabou convencida de que deveria contar ao filho da sua doença. E que naquela mesma tarde quando chegou a casa, chamou o filho e lhe disse com serenidade: – “Du”, eu preciso te contar uma coisa”.
Ele a interrompeu dizendo:
– “Eu sei mãe. A senhora vai me contar que vai morrer”!
Ela o abraçou e ambos soluçavam enquanto ela afirmava. E que depois de algumas horas, o menino trouxe-lhe uma carta que retirou de seus guardados. Entre as palavras, ele dizia: “Mamãe, mesmo se a senhora morrer eu sempre vou amar você”.
Alguns meses depois, ele recebeu na agência funerária um pedido especial de sepultamento. Eram familiares da sua mais especial ouvinte e amiga. Enquanto preparava a documentação, ficou imaginando e trazendo à mente a feição daquela jovem senhora.
O corpo, ele mesmo não teve condições de arrumar para o velório.
Solicitou ao parceiro que fizesse isso por ele.
Foi ao velório fazer a última visita. Conforme a expectativa médica, ela durou somente mais alguns meses. Lá estava o menino, amparado pelas tias: Comportava-se sereno e calmo. No bolso da blusa da mãe, já havia colocado a carta.