Ele dedicou sua vida ao carnaval em sua comunidade
Um homem gigante, dono de um coração maior ainda. Um homem com um coração que batia fora do peito, numa cadência compassada de samba. Tinha tanto amor pelo carnaval, pela comunidade, que dedicou sua vida a isso.
José Inocêncio criou no famoso bairro Baguá, onde morava, uma comunidade carnavalesca, em plenos anos 80. Ele era muito criativo, tinha alma de artista e possuía um grande dom para criar; fazia enfeites e objetos. Certo dia, no banheiro da empresa onde trabalhava, desenhou vaquinhas de carnaval na porta do banheiro. O patrão, quando viu os desenhos, chamou dois funcionários, ele e mais um e questionou quem os havia feito. Seu colega apontou para ele. Ao contrário do que se imaginava, o patrão elogiou muito os desenhos, decidiu incentivar e até pagou para ele um curso de artesanato.
Quando terminou o curso, decidiu fazer vaquinhas para brincar no carnaval. Desde o início, sua família e membros do bairro eram envolvidos nesse processo. O Frigorífico Caron doava as cabeças de boi, que eram o ponto de partida da criação. As fábricas de tecido do bairro doavam restos de tecido.
Após muito trabalho, dedicação, papelão, cola e tecido, nasciam as vaquinhas. Elas fizeram parte da infância de muitos cosmopolenses, encantavam e assombravam a imaginação das crianças, que ficavam entre o fascínio de vê-las desfilar e o medo de ser perseguidas por elas.
A paixão pelo carnaval era crescente e no início dos anos 90, José Inocêncio já realizava por conta o carnaval com as vaquinhas. Foi descoberto, então, pelo poder público. Através do apoio da Cultura, fez diversos cursos para aprimorar seu trabalho e, com as novas técnicas, reformulou a maneira de montar as vaquinhas, máscaras e os bonecões.
Após essa busca por melhora da técnica, realizou, através da prefeitura, oficinas culturais, transmitindo seus conhecimentos. Em um primeiro momento, as oficinas eram em casas alugadas e cedidas para a realização das mesmas, depois foram para o Grêmio Estudantil, onde atualmente fica a Secretaria de Cultura.
Essas oficinas duravam o ano inteiro, as pessoas, entre elas muitas crianças, aprenderam a arte da pintura, costura e criação.
No decorrer de uma dessas oficinas culturais, nasceu a ideia de criar uma escola de samba. Todos logo se empolgaram. A “Unidos do Baguá” começou do zero; não tinham instrumentos, nem roupas, apenas vontade.
José Inocêncio procurou em escolas de samba das cidades vizinhas doações de fantasias já utilizadas e instrumentos que não eram mais usados. Ganhou, assim, muitos instrumentos, muitas vezes, em péssimas condições e, com muito carinho, reformava, ajustava, transformando novamente em um instrumento musical.
Tendo instrumentos em mãos, iniciaram os ensaios na rua, ali mesmo na comunidade. Todos tinham oportunidade de participar. As crianças, para iniciar, tocavam maraca, reco-reco. Depois do trabalho, o pessoal se encontrava à noite para ensaiar. Todo mundo se empolgava ao ouvir as batidas, muitos saíam de casa e iam assistir.
Com o tempo, os ensaios passaram a ser no Bar do Tiãozinho, onde hoje é o Bar do Zangão. Os instrumentos eram guardados no bar e os ensaios eram realizados na Rua dos Expedicionários. Começavam a ensaiar em torno de seis meses antes do carnaval. Pessoas de outros bairros iam também aos ensaios, era só iniciar, que toda cidade se empolgava.
A Unidos do Baguá era como uma família, as pessoas tinham compromisso sério com o carnaval. Quem podia doava materiais. Outros, participavam na organização do desfile, na confecção das roupas, no bordado das sapatilhas.
Nosso herói tinha o grande dom de trazer as pessoas para perto. Tratava a todos com muito carinho, sem diferenciação, envolvia a todos e delegava a cada um, uma função; todo tipo de dom era aproveitado.
Os homens trabalhavam e à noite corriam empolgados para o ensaio. As mulheres trabalhavam durante o dia na confecção das fantasias, enfeitavam os calçados e à noite, iam também ao ensaio da bateria.
A bateria foi formada numa junção de conhecimentos. Toda a comunidade era envolvida, partilhavam dessa paixão, surgiram dela o Mestre da Bateria, o Diretor da bateria, os compositores, a Rainha da Bateria, os intérpretes. Os samba-enredos eram criados também entre os integrantes.
O mais marcante era o
(…) “Unidos, Unidos do Baguá,
Papel, cola e papelão,
Com muito samba, suor e fantasia
Vem trazendo, vem trazendo a alegria (…)”
É importante lembrar que nosso prefeito Júnior Felisbino, passou sua infância no Baguá e participou da bateria, ensaiando e desfilando guardando na memória esses momentos tão especiais.
No dia do desfile, a casa do José Inocêncio enchia de gente, tudo era centralizado lá. Nesse dia, era proibido beber. Seu José Inocêncio não deixava! Era um dia importante. Os integrantes da escola iam buscar as fantasias e os instrumentos. Todos almoçavam lá, a família servia feijoada aos participantes. A Izete, mulher dele, ajustava as roupas de quem ia desfilar, acertando os detalhes, prendendo as plumas e os enfeites.
Os desfiles na Avenida Ester foram históricos! Toda a cidade ia assistir ansiosamente, a avenida lotava! A “Unidos do Baguá” descia a avenida com muita alegria e simpatia. José Inocêncio desfilava com a tradicional calça branca e camisa amarela. Os instrumentistas se apresentavam orgulhosamente bem ensaiados. Ao final, as vaquinhas fechavam a noite, para a alegria da criançada.
A Escola fez tanto sucesso que foi convidada a desfilar em Tambaú, Conchal, Cachoeira de Emas, Paulínia, levando o nome da nossa cidade com muito orgulho.
O amor de José Inocêncio transbordou por toda a comunidade, contagiando a cidade. A história dele se mistura com a história dos nossos carnavais. O homem que ele foi marcou toda uma geração, que guarda até hoje grandes memórias de outros carnavais.
Gostaria de agradecer imensamente a todos que, de alguma forma, ajudaram a reconstruir essa história através de depoimentos da família de José Inocêncio representada pelo Mario, José Aparecido Inocêncio (Fio), Fabrício e participantes da comunidade Ivan e Joelma.
Texto: Letícia Atmann Frungilo
Fotos: Cedidas gentilmente pela família
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