Morte: como falar sobre o assunto com as crianças

Falar sobre a morte com crianças não significa entrar em explicações complexas e nem em detalhes assustadores e macabros

Maristela Lopes Ramos
Psicóloga
CRP: 06/136159
R. Santo Rizzo, 643
Cel: (19) 98171-8591

Ao se parar para pensar sobre a formação do indivíduo, é inevitável perceber sobre as várias “mortes” com as quais este indivíduo, desde a infância, irá se deparar em sua história de vida e, se essa questão puder ser trabalhada desde cedo, vai, com certeza, fazer a diferença na idade adulta.
A “morte” aqui abordada não abrange apenas a morte física, mas também as simbólicas, como as perdas, dores e frustrações. Isto significa que, ao longo da infância, a criança não se depara somente com a morte de um ente querido e ou de um animalzinho de estimação, mas também com a separação dos pais, sentimento/dor de ser rejeitada, um amigo que se muda, um brinquedo que se quebra, ou por deparar-se com a impossibilidade de ter ou conseguir algo. Essas frustrações, dores, perdas e mortes provocam sofrimento psíquico e algumas vezes causam mudanças e reformulações no jeito de ser e de sentir, enfim, na vida da criança.
Conviver com adultos que saibam compreender essas “várias mortes” pode levar a criança a estar mais bem preparada para enfrentar perdas, elaborar mais facilmente o processo do luto e também conseguir se relacionar melhor com situações inevitáveis, sendo capaz de encarar a morte como algo que faz parte do processo de viver.
Quanto a morte física, encará-la é diferente de banalizá-la. A morte invade os lares de todos sem pedir licença, acontece pelos meios de comunicação diversos, é também vivenciada nas ruas por meio da violência, homicídios, acidentes. Não tem hora para acontecer ou serem exibidas. Se diante desse bombardeamento de acontecimentos e informações não houver uma reflexão a respeito, pode correr-se o risco de ser impregnado pelas dores e sofrimentos e surgir a impressão de que tudo isso é natural e que faz parte da vida, isso é a banalização da morte. Fica a sensação de ser empurrada “goela abaixo” sem sequer ser digerida. A elaboração ocorre com o falar sobre o tema (no caso, a morte).
A criança, muitas vezes, está disposta a saber a verdade sobre a morte, tanto que a questiona com os adultos, mas, são esses mesmos adultos que temem falar sobre o assunto. A dificuldade maior dos adultos em falar sobre a morte está em como falar e não tanto no que é dito, pois temem entrar em contato e transmitir suas próprias angústias. Se os adultos mentem ou escondem, essa criança deixa de acreditar neles e de voltar a perguntar sobre outras dúvidas, podendo se estender até para além da adolescência.
Falar sobre a morte com crianças não significa entrar em explicações complexas e nem em detalhes assustadores e macabros. Simplesmente é falar sobre o assunto, pois ela sente que o assunto “está no ar” (implícito) e está sendo escondido. Na cabeça do adulto, ela está sendo poupada, mas, na cabecinha dela, na sua subjetividade, não se pode mensurar a interferência do simbolismo dessa situação no desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Ao se impedir uma criança de participar do processo morte e seus rituais, subestima-se a criança, alegando-se a proteção dela não sofrer a realidade da vida e suas perdas. Com isso, fica subentendido que apenas tem valor “ganhar na vida”, reforçando a dificuldade desse indivíduo lidar com perdas e frustrações no decorrer de sua vida.
Falar sobre a morte não cria dor e nem aumenta. Não tem a ver com depressão ou falta de esperança; ao contrário, pode ser visto como uma referência concreta para a construção do significado da vida. Falar do assunto é não privar o primeiro momento da elaboração do luto, que é para a criança a aceitação de que alguém desaparece para sempre, e nesse ponto, versões como a da existência do céu podem ajudar nessa elaboração. Tanto com as crianças pequenas quanto as maiores, o lúdico pode ser utilizado como, bonecos e bonecas, desenhos, histórias, jogos, dramatizações, o meio não importa, o que importa é que aconteça o espaço e a conversa de forma verdadeira, isso levando em conta a verdade de cada um, que também pode ser uma versão religiosa.
Finalizando, poder crescer em um espaço de acolhimento no qual as pessoas sintam segurança para expor o que pensam, serem ouvidas, também ouvir e refletir, pode ser o gerador de transformações e ressignificações da vida. Muito semelhante a um espaço terapêutico (terapia). Portanto, se as crianças tiverem esse espaço com os adultos que elas convivem, irão crescer “preparadas” desde a infância e quando adultas não sentirão a necessidade de fugir do assunto morte e conseguirão passar o significado/sentido que aprenderam sobre vida e morte para seus filhos ou outras crianças que conviverem.