Motorista de aplicativo, empregado X autônomo?

Relevante que todos os envolvidos tenham ciência dos riscos e custos que incidem sobre a relação, para evitar futuro passivo não desejado

Dr. Antonio Trefiglio Neto
Advogado Especialista em Direito do Trabalho e Direito Público | E-mail:
advtrefiglio@hotmail.com
Telefone: (19) 99773-6634

Prezados leitores, neste artigo, iremos tratar em mais uma oportunidade da questão do motorista de aplicativo, notadamente frente a posicionamentos recentes dos Tribunais Trabalhistas.
O trabalho de motorista de aplicativo merece um aprofundamento na análise jurídica, vez que se trata de um trabalho muito difundido nos tempos atuais.
A Justiça do Trabalho vem sendo procurada para decidir se o trabalho realizado pelo motorista de aplicativo seria um contrato de emprego, regido pela CLT, ou um contrato autônomo.
A diferença entre o contrato de emprego e o contrato autônomo é muito significativa, pois, na relação de emprego, o empregado detém direito ao FGTS, 13º salário, férias + 1/3, adicional noturno, entre outros direitos. Pois bem, nesta oportunidade, iremos tratar da questão do motorista de aplicativo e situações no processo judicial trabalhista.
Recentemente, foi divulgada a informação de que um Tribunal Trabalhista acolheu um recurso interposto por um motorista da Uber reconhecendo a existência de vínculo de emprego entre ele e a empresa, sendo afirmado na decisão que a plataforma pratica uma “manipulação de jurisprudência”.
Manipulação de jurisprudência é um termo forte nas questões jurídicas, e sobre este enfoque passaremos a trazer considerações. No processo acima citado, consta que, 24 horas antes do julgamento, as partes (empregado e empregador) juntaram petição requerendo homologação de acordo e, consequentemente, a retirada do processo da pauta de julgamento, mas que o pedido foi indeferido pelo Tribunal, por vários motivos.
Para os juízes, a empresa pratica fraude trabalhista que é “propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos (jurimetria)”. Segundo a decisão, a camuflagem ocorre porque a Uber, em um número considerável de demandas, “tem se disposto a celebrar acordo apenas nos casos em que se visualizam razões suficientes para se supor que o órgão julgador decidirá em sentido contrário ao seu interesse”.
“Tal postura deixa transparecer uma possível estratégia de se evitar a formação de jurisprudência no sentido do reconhecimento de vínculo empregatício, interferindo, desta maneira, que os Tribunais cumpram sua missão de unificar a jurisprudência por intermédio dos instrumentos processuais destinados a esse fim”, segue a decisão. Essa estratégia, assim, impediria “o fluxo natural da jurisprudência e a configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria”.
Por isso, a turma considerou que a postura da Uber se configura como abuso de direito e viola o princípio da paridade de armas — já que, no exercício do contraditório, o julgador pode entender que a jurisprudência seria uníssona. Além disso, em uma análise processual do acordo, os juízes entenderam que o valor pactuado não é razoável e que ele previa isenção de recolhimento tributário, o que é vedado pela legislação. Importante às considerações acima para trazer ao nosso leitor a situação de que a Justiça do Trabalho pode indeferir pedido de homologação de acordo se entender que está ocorrendo o abuso de direito.
A nossa experiência na Justiça do Trabalho nos permite esclarecer que existe, sim, a possibilidade de eventual acordo não ser homologado, e a situação acima reflete um exemplo desta situação.
Relevante que todos os envolvidos tenham ciência dos riscos e custos que incidem sobre a relação, para evitar futuro passivo não desejado. A ciência do direito vem exigindo cada vez mais a especialização do advogado, afastando em situações mais complexas o generalista. Nos tempos atuais, revela-se imprescindível que o advogado atue com excelência na defesa do direito de seu cliente.