Musical retratará a importância do homem negro na sociedade brasileira

Por o Brasil ser um país tão plural, a representatividade de todos os grupos étnicos se faz muito importante na mídia nacional

Em breve, um evento será realizado em Cosmópolis para fazer uma retrospectiva a respeito do negro no Brasil. Essa retrospectiva ocorrerá através da música, por meio de um musical, com roupas, instrumentos de origem africana, incluindo instrumentos de corda com origem no continente. Será feita uma retratação histórica por meio de 10 músicas que irão retratar a posição do negro dentro da história do Brasil. Diferentemente do que imaginamos, o negro será trazido também como o colonizador que ele é.
O musical falará do africano que chegou ao Brasil com uma proposta de colonizar, mas diferentemente de ele ter recebido apoio, heranças ou terras no Brasil, a herança dele foi o trabalho. Ele desenvolveu o Brasil com várias tecnologias, então, através das músicas, a história do negro colonizador no Brasil será contada.
O evento está sendo organizado pela Associação Liberdade, com o apoio das Secretarias da Cultura e da Educação.
Em entrevista à Gazeta de Cosmópolis, o professor e palestrante, Natanael dos Santos, falou um pouco sobre a data e sua influência na comunidade.

Você acha que nos últimos anos vem faltando alguma iniciativa tanto do setor privado quanto do setor público em trazer ao público geral a real importância da cultura negra na comunidade?
Com a nova gestão, no dia 13 de maio, começamos a fazer um momento de reflexão na educação, conseguimos fazer uma live que mostrou a importância do negro e a contribuição do negro na sociedade. Foi espetacular. Além da live, já fizemos também 20 horas de formação, dentro da rede municipal de educação. Formação que mostra o negro e sua contribuição para equipamentos técnicos dentro da história do Brasil. Por exemplo, quando se fala em construção civil, você não tem uma reparação histórica, mas se voltarmos no tempo e formos procurar construções datadas do ano de 1690, 1700, nós vamos encontrar a presença marcante do negro nessa construção, assim como na agricultura, na pesca, e esta formação fez este resgate, de trazer o negro como o negro africano contribuindo para a construção do país.

Na sua opinião, o que a data 20 de novembro significa para a comunidade negra?
A data é muito importante para a reflexão, mas o importante é trabalhar o ano todo, ou seja, trabalhar no mês de fevereiro, março… porque têm datas importantes da contribuição do negro na história do Brasil, também em abril, junho, julho, agosto, e não só trabalhar em novembro. Eu acho que essa reivindicação do mês de novembro possibilita essa reflexão para o ano todo. Mas não é o suficiente. O ideal seria falarmos do negro, do índio, dos outros imigrantes que aqui chegaram, com grande potencial e grande contribuição. Acho muito importante, por exemplo, Cosmópolis, que é uma cidade alicerçada com americanos, italianos, alemães, e negros também. Mas se você pegar o nosso material didático, você não encontra isso na proporção que deveria estar. Assim como a referência negra muito forte no município, que é a família Felisbino, uma família tradicional, centenária, pois chegaram aqui logo após a abolição. A contribuição que eles trouxeram para Cosmópolis, na plantação de abacaxis, algodão, cana de açúcar, meeiros com a Usina no final dos anos 1880, para o ano de 1900, já estavam desenvolvendo grandes parcerias, e isso não está na história, assim como não estão o alemão, o italiano, não numa maneira folclorizada, mas pedagógica, para que o menino de Cosmópolis sinta o sabor e o orgulho de ter participado com sua família da construção da cidade.

E por que estes grupos não estão incluídos?
Acho que a política tem uma ressalva muito grande. Por exemplo, eu gostaria que meu filho, meu neto, que estudassem na escola aqui, tivessem o orgulho de estudar sobre a história local, não sobre a história de São Paulo, dos países e suas localidades. Acredito que a nova administração tem um novo olhar, que possivelmente trará este olhar para a cidade de Cosmópolis, ou seja, fazer com que sintamos orgulho de ser desta cidade, fortalecer este vínculo de irmãos. Se você soubesse como o colonizador alemão foi importante, o italiano, o negro, o americano, o nosso olhar seria outro. Falta exatamente isso dentro do nosso currículo escolar.

Qual sua expectativa em relação à aceitação do público geral sobre os eventos promovidos pela nova gestão que buscam trazer tais reflexões?
Eu acredito que que será positiva, pois eu sempre costumo dizer que, independentemente da cor da sua pele, se você andar 5 passos para trás, você vai chegar na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos, ou na África. Então, quando você pega uma cidade como Cosmópolis, aqui é uma mistura, a miscigenação chegou aqui também. Você pode pegar um menino branco, até mesmo com o sobrenome italiano, se você olhar para atrás, pode cair dentro da senzala. A miscigenação faz parte de nós, só que história não faz parte. Então, o ideal é trazer a informação para que a população tenha orgulho do que é. Como você não sabe, você não tem orgulho. Eu costumo dizer: “Existe preconceito? Existe falta de informação. E que a nossa diferença não faça a menor diferença, desde que tenhamos informação.

Nós sabemos que o Dia da Consciência Negra remete ao dia da morte de Zumbi dos Palmares. Sempre que vamos falar de heróis nacionais, falamos de personagens da monarquia. Por que você acha que Zumbi, muitas vezes, é marginalizado na cultura nacional?
A falta de informação é muito grande dentro desse contexto. Vamos imaginar dois estudantes do quinto ano do ensino fundamental. Descobrimos, então, um cara chamado André Rebouças, e os feitos de André Rebouças enquanto engenheiro negro, e descobrimos que a malha ferroviária do Brasil, que era uma das melhores do mundo, foi desenvolvida por ele. Seu olhar já seria outro. Estudando um pouco mais, descobriríamos que a Ordem dos Advogados do Brasil foi montada por um negro. E quando você chega na história de Zumbi, você pergunta: Quem foi Zumbi? O que ele fez? Então, como não sabemos quem foi André Rebouças, Juliano Moreira, Francisco Jê Acaiaba de Montezuma, que, assim a gente não sabe também quem foi Zumbi. Assim como a gente não sabe quem foi o cara daqui de Cosmópolis que teve a coragem de ser meeiro da Usina Ester. Um negro, que tinha terras. Então, a gente não sabe? Por que? Porque a história sempre escondeu a contribuição do negro dentro do universo, dentro dos anais da história. A minha preocupação é que as gerações mais novas possam olhar o negro com outro olhar, ter relacionamentos, não apenas serem bons vizinhos, porque a pessoa passou a ter conhecimento sobre a nossa história.

A quem interessa deixar de lado estas grandes personalidades negras?
O tempo. Nós esquecemos de fazer uma conta simples, se meu bisavô estivesse vivo, teria 150 anos, a abolição tem 133 anos. Então, o tempo que escondeu isso. O tio do prefeito, em breve, fará 90 anos, o pai dele estava aqui, trabalhando como meeiro com a Usina Ester, seu avô, escravo. É muito pouco tempo para renovarmos a história. Estamos fazendo isso agora.

Os negros estão cada vez mais tendo mais representatividade na mídia em geral. Ao longo do tempo, isso pode influenciar no modo de pensar da sociedade futura?
Pode, e já está tendo uma grande influência. Você liga a televisão, não só no mês de novembro, mas durante o ano todo, o comercial de televisão tem uma cara preta agora, e não tinha. Vemos grandes marcas colocando em seus comerciais, negros. Isso está mudando a história do Brasil. Começaram a descobrir um potencial muito grande de gente preta que faz a diferença aqui no Brasil.

Natanael dos Santos
Professor, Pesquisador, Historiador e Escritor;
Membro fundador do NEABU (Núcleo de Estudos Afro Brasileio da Unicamp);
Membro Fundador do NIGÉRIA (Núcleo de Estudos da África) FEEVALE – Novo Hamburgo/RS;
Membro consultor da Comissão de Igualdade da Ordem dos Advogados – OAB – Sessão SP
Fundador da Cia. De Teatro Liberdade Canto e Dança – Campinas/SP
Coordenador do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Educação, Direitos Humanos e Relações Étnico Raciais – Universidade Zumbi dos Palmares/SP