O mito da diminuição do preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN+

É essencial que reconheçamos a verdadeira extensão do problema, validando os crimes como eles são

Nos últimos anos, muitas pessoas têm alimentado a percepção de que os preconceitos relacionados à sexualidade e ao gênero têm diminuído no Brasil. Essa impressão pode ser atribuída a diversos fatores. Um dos principais é a crescente visibilidade das pautas LGBTQIAPN+ na mídia e nas redes sociais. Celebridades, influenciadores e grandes marcas têm abraçado publicamente a diversidade, promovendo campanhas de inclusão e igualdade. Além disso, avanços legislativos, como o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e a criminalização da homofobia, têm dado a impressão de que a sociedade está se tornando mais tolerante.
Outro fator que contribui para essa sensação de progresso é o aumento das discussões sobre diversidade nas escolas e ambientes de trabalho. A inclusão de debates sobre identidade de gênero e orientação sexual em espaços públicos e privados cria uma atmosfera de maior aceitação, pelo menos superficialmente. Essa mudança no discurso público, no entanto, nem sempre se traduz em mudanças reais na vida cotidiana das pessoas LGBTQIAPN+.
Apesar desses sinais aparentes de avanço, a realidade vivida por muitos brasileiros LGBTQIAPN+ ainda é marcada pela violência e discriminação. As estatísticas mostram que o preconceito não diminuiu; ele apenas se tornou menos visível para aqueles que não o vivenciam diretamente. Compreender essa disparidade, é crucial analisar os números e os desafios enfrentados na luta contra a homofobia e transfobia no país.

Embora haja uma sensação de progresso, os dados revelam uma realidade alarmante. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil permanece entre os países que mais registram mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+. Em 2023, mais de 300 pessoas LGBTQIAPN+ foram assassinadas no país. Esses números, no entanto, podem ainda não refletir a totalidade do problema, já que muitos casos não são categorizados corretamente como crimes de ódio.

Juh Brilliant Escritor, pedagogo e fotógrafo @juh_brilliant

Juh Brilliant
Escritor, pedagogo e fotógrafo
@juh_brilliant

Além disso, o relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) mostrou que o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. Esses dados revelam a gravidade da situação e desmentem a ideia de que os preconceitos estão diminuindo de maneira significativa.
Um dos maiores desafios na luta contra a homofobia e transfobia no Brasil é a subnotificação dos casos e a classificação incorreta dos crimes nos boletins de ocorrência. Muitas vezes, assassinatos motivados por preconceito são registrados como homicídios comuns, sem a devida menção ao caráter discriminatório. Isso cria um equívoco nos registros oficiais, fazendo com que a dimensão real do problema seja mascarada.
Por exemplo, um crime cometido por ódio contra uma pessoa trans pode ser registrado apenas como “lesão corporal seguida de morte”, sem menção ao preconceito motivador. Essa distorção nos dados impede uma resposta eficaz por parte das autoridades e dificulta a formulação de políticas públicas que combatam de fato o problema.
Para que possamos avançar nessas questões, é fundamental que os crimes de ódio sejam reconhecidos e validados como tal. Isso requer um comprometimento das autoridades em garantir que os boletins de ocorrência reflitam fielmente a motivação dos crimes. Além disso, é necessário um maior investimento em educação e conscientização, tanto dentro das forças de segurança quanto na sociedade como um todo.
A ideia de que vivemos em uma sociedade menos preconceituosa não se sustenta diante da realidade vivida por milhares de pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil. Para que possamos, de fato, caminhar em direção a uma sociedade justa e inclusiva, é essencial que reconheçamos a verdadeira extensão do problema, validando os crimes como eles são e enfrentando a subnotificação e a classificação incorreta de crimes de ódio. Somente assim poderemos transformar a percepção social em uma realidade de respeito e dignidade para todos.
Para seguir: @antra.oficial (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).