Monumento, escultura, possível símbolo com alusão as iniciais de um político local, qual o significado daquela diferente arquitetura, esquecida pelo “tempo no sol”? Qual a história desta emblemática obra, exposta no local que marca o surgimento de Cosmópolis?
Localizada na Praça dos Estudantes, como foi rebatizada a região da extinta estação de trens, a obra é popularmente conhecida como “Relógio do Sol”. Um “quadrante solar”, nome científico, entre os mais antigos instrumentos criados para medir o tempo, no caso da obra cosmopolense, com outras inúmeras funcionalidades e referências.
Neste ano, o relógio completou exatos 28 anos da sua construção, marcado, neste período, pela falta de manutenção, pichações e vandalismos. Anos passados, a obra só não foi demolida pelo poder público devido à falta de recursos financeiros da Prefeitura. Os motivos da demolição, mirabolantes projetos de ampliação da praça, alegando que o relógio não tem nenhuma representação histórica ao município.
O SENHOR DO TEMPO
E LIBERDADE
A obra de importância desconhecida para muitos cosmopolenses contempla um conjunto de relógios espalhados pelo mundo. Muitos reconhecidos como patrimônios da humanidade são cartões postais na Argentina, Uruguai, Bolívia, México, Costa Rica, referência turística e cultural de inúmeras cidades brasileiras.
Ainda mais surpreendente que os quadrantes solares são a história de vida do seu criador, o uruguaio, Félix Peyrallo Carbajal, conhecido como o “Senhor do tempo”.
Obras espalhadas por 64 países e 28 colônias, percorridos nos seus 75 anos de peregrinações pelo mundo.
São calculados mais de 500 relógios projetados por Félix, sendo cerca de 180 construídos por ele mesmo. Destes 180, edificados pelas próprias mãos de Félix são os mais significativos em cada detalhe e função, como é o caso do relógio cosmopolense.
Filho de uma das famílias mais ricas e influentes do Uruguai, abandonou tudo para viver pelo mundo. Nunca teve morada fixa, assim como propriedades, rendas salariais e emprego. Falava fluentemente espanhol, inglês e francês, lia e escrevia em italiano, grego, latim, alemão e idiomas indígenas. Intitulava-se como um “peregrino feliz do mundo”. Mas quem era, na verdade, este enigmático homem?
PEREGRINO
FELIZ DO MUNDO
Félix nasceu no Uruguai, em 1905, filho de uma família abastada do país. Ficou órfão na juventude, herdando uma grande fortuna, usando todo o dinheiro em estudos acadêmicas e peregrinações filosóficas pelo mundo. Cursou importantes faculdades, sendo bacharel em diversas áreas, formando-se em Letras na Espanha (1932), História na França (1939), Filosofia e Ciências no México, doutorando-se em Stanford, Estados Unidos.
Cursou Artes Plásticas, área que fez trabalhos e marcantes amizades, com Pablo Picasso, Salvador Dali, Frida Kahlo, Neruda, Simone de Beauvoir, entre outros importantes nomes das artes, música e literatura mundial. Atuou como ator na Europa, sendo prestigiado por suas atuações na Costa Rica e demais países da América Central. Escreveu em incontáveis jornais, revistas, editou livros e periódicos de poesia, história e filosofia.
Dados recentemente descobertos e comprovados por professores de faculdades de Santa Catarina, já que Félix nunca guardou nenhum diploma, documentação acadêmica e obras impressas assinadas.
Informações recolhidas em diversos países, através das digitalizações de jornais e livros, onde Félix era citado por renomados intelectuais, por seus artigos e livros, até então, desconhecidos. Em 2006, foi lançado o livro documental “La muerte está servida”, contando a vida e amizades de Félix, escrito por Claribel Terre Morell.
Nas cidades que percorria, oferecia-se como palestrante e conselheiro, proferindo mais de 10 mil palestras sobre milhares de temas, com extrema propriedade nos assuntos. Nunca ostentou suas formações acadêmicas, amizades importantes, assim como, raramente, informava sua história de vida pessoal.
FÉLIX NAS TERRAS
COSMOPOLENSES
Cosmógrafo e cosmólogo, importantes áreas acadêmicas da Cosmologia, ciência que estuda os cosmos, a criação e estruturação do universo, Félix era bacharel em todas as graduações de Cosmologia. A construção do relógio em Cosmópolis estava predestinada em seus estudos de Cosmologia, principalmente, pelo enquadramento do município com o sol. Quem conhece o amanhecer e o pôr do sol em Cosmópolis sabe que não foi por acaso a escolha.
Segundo Félix, o nome chamou-lhe atenção no mapa, resolvendo estudar o município. Nestes estudos descobriu o alinhamento singular da cidade com os cosmos, garantindo que até mesmo o nome do município, devido à precisa visualização do universo, não poderia ser outro. Na tradução do grego: “o universo em cidade”.
Em 1990, aos 85 anos de idade, Félix oficialmente chegava em Cosmópolis. Antes, havia passado meses em Mogi Mirim e Artur Nogueira, onde fez palestras e estudava a construção de relógios nestas cidades.
Trazia uma pequena mala com cadernos de anotações, livros, e poucas roupas. Só usava roupas claras, em especial brancas, falava calmante e sempre sereno. Na Prefeitura, apresentava, ao então prefeito José Pivatto, o projeto do “Quadrante Solar”.
Como não possuía renda e condições financeiras, pediu o apoio do poder público, ajuda com moradia, materiais e funcionários para a construção da obra.
Exigia somente a escolha do local, designado depois de estudos do cosmo, e a não interferência da Prefeitura no projeto, seguindo fielmente ao estabelecido no papel.
Em contrapartida, daria aulas e palestras na cidade, sobre Filosofia, Cosmologia e Artes. Aprovado pela administração, Félix ficou hospedado no Hotel Pousa Lá, então localizado na Sete de Setembro, dando palestras no salão paroquial da Igreja Matriz de Santa Gertrudes.
Foram seis meses de obras, seguindo os estudos do cosmo para construção. O quadrante solar não é apenas um preciso marcador do tempo, mas também um guia do sistema solar. Nas suas bases, meridianos, a localização de planetas como Vênus, simbolizado como Estrela D’alva, indicação do cruzeiro do sol, e zodíaco.
No fim do ano de 1991, o quadrante estava totalmente construído, pronto para ser entregue aos raios do sol. Antes do amanhecer, Félix partiu de Cosmópolis, sem despedidas, ou, motivado por possíveis razões políticas. Somente foi embora o gnomista, novos relógios do sol precisavam ser construídos.
Não houve inauguração do relógio, e nenhuma citação nos jornais sobre a obra e seu autor. Assim como chegou, partiu, sem despedidas e ninguém ver.
Terminada sua obra cosmopolenses, iniciou novas construções no Paraná, outras em Santa Catarina, onde, aos 100 anos, faleceu em 2005.
“Todos os dias ele visitava nossa Biblioteca Municipal, sempre nos presenteando com alguma observação intrigante sobre assuntos diversos. Durante aproximadamente seis meses, nos mostrou que a importância do conhecimento, pode ser maior que os bens materiais.
Tenho orgulho em ter convivido com ele, e ainda mais, em saber que dos 180 quadrantes espalhados pelo mundo, um está em Cosmópolis”, descreve a professora Elisabete Francisco, então assessora de cultura do município no período que Félix esteve em Cosmópolis.
“Félix tinha 100 anos e todos os sonhos do mundo. Vivia num asilo em Blumenau porque, anarquista, nunca quis ter nada de seu, ao não ser duas mudas de roupas, sempre branquinhas. Não tinha diplomas, nem documentos, nem mulher, nem filhos. Nada. A não ser seu corpo e sua sabedoria. Quem cruzou seu caminho sabe. A sabedoria, espalhou, a quem quer que tivesse vontade de ouvi-lo”, declarou a jornalista Elaine Tavares, professora da Universidade Federal de Santa Catarina.
Viveu para descrever a vida em todas as suas fases de tempos, construindo marcadores deste tempo, sem nunca preocupar-se em descrever e marcar o tempo da sua vida. Quem sabe depois desta redescoberta do mestre e sua obra, o quadrante solar, o relógio do sol cosmopolense, não possa ter uma nova história, assim esperamos, para ser novamente publicada.
Texto: Adriano da Rocha
Historiador, responsável pela página e blog Acervo
Cosmopolense