Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo de álcool sofreu um aumento significativo nos últimos trinta anos. Estima-se que 84% da população fazem uso ocasional de bebidas alcoólicas e os índices de dependência variam de 3 a 15%. “Atualmente, reconhece-se que o alcoolismo não afeta (físico/mental) apenas a pessoa alcoolista, essa doença repercute nos familiares que convivem diretamente com essa pessoa”, explica Maristela T. L. Ramos, psicóloga.
Maristela afirma que “filhos de alcoolistas têm elevado risco, cerca de 4 a 6 vezes mais prováveis, do que a população em geral, de experienciar eventos negativos em seu ambiente familiar durante o seu desenvolvimento que podem desencadear psicopatologias como transtornos de ansiedade, de humor, depressão, desordem de comportamentos, dificuldades emocionais e de relacionamento, entre outros” .
É frequente crianças em idade escolar, filhos de pais alcoolistas, apresentarem problemas acadêmicos, como notas baixas e fraca organização e motivação para as tarefas escolares. “A baixa autoestima, impulsividade, agressividade, comportamento opositor e hiperatividade também são percebidos e relatados pelos professores. Verifica-se também que filhos meninos apresentam esses ‘sintomas’ mais evidenciados, mas, tanto em meninos quanto meninas surgem precocemente e tendem a persistir até a adolescência. Essa tendência dos meninos serem mais vulneráveis ao alcoolismo parental (pais) que as meninas pode ser atribuída ao comprometimento da figura paterna como modelo para eles. Entretanto, existem sim crianças resistentes a esse fator de estresse familiar e que não desenvolvem tais comportamentos e sintomas”, esclarece a especialista.
Diante dessa perspectiva e levando em consideração múltiplos fatores, como biológico, psicológico e social, algumas pesquisas apontaram que influências originadas no ambiente familiar, principalmente, dos pais, são relevantes para o desenvolvimento do abuso e dependência de álcool nos seus descendentes. “Os adolescentes filhos de pais alcoolistas têm alto risco de começar a beber precocemente e de desenvolver dependência ao álcool na idade adulta, pois, são detentores de uma autopercepção negativa. Na maioria das vezes, o desenvolvimento da autoimagem foi prejudicado pela falta de consistência nas relações pais e filhos. Os sentimentos mais relatados nas histórias de filhos de alcoolista é que sentem-se negligenciados, esquecidos, desamparados, assustados e confusos nesse ambiente familiar”, pontua Maristela.
“Os pais são as principais referências de um(a) filho(a), são os primeiros educadores. A forma com que se relacionam é fundamental para a saúde mental desses filhos. No início, os filhos podem até perceber e associar o ‘hábito’ do álcool ‘passear’ por confraternizações familiares como algo positivo que traz alegria e descontração. Isso pode se transformar em algo disfuncional se ocorrerem os abusos, e então os comportamentos dos pais que pareciam normais logo serão reconhecidos por esses filhos como devastadores para o ambiente familiar”, explica.
Sugerem-se alguns caminhos no tratamento e prevenção dessa problemática, como a inclusão dos filhos no tratamento do alcoolista se esse vier a buscar essa ajuda. Caso essa atitude não seja tomada, pois, muitas vezes, o portador dessa doença alcoolismo não reconhece que precisa de ajuda, acha que detém o controle da situação; nesse caso, pode a família decidir por ele com uma internação compulsória. “Os familiares devem sim buscar ajuda psicológica e em grupos de apoio às famílias de dependentes químicos. Hoje, os profissionais da área da saúde reconhecem cada vez mais que, além dos alcoolistas, os familiares necessitam de ajuda/cuidados, principalmente, psicológicos. É importante que os familiares sejam orientados também sobre o que é o alcoolismo, como podem ajudar o seu familiar, como lidar com eles durante crises de abstinência, recaídas, como procederem diante de agressões físicas e verbais, abusos, o que é a co-dependência e outros vários temas e conceitos”, ressalta a psicóloga.
“Enfim, o impacto que esta doença pode provocar nos membros de uma família, particularmente, nos filhos, é amplamente reconhecido por meio de pesquisas científicas e descrito em inúmeras bibliografias. Mas, existe luz no fim do túnel. Mesmo sendo provenientes de famílias instáveis, negligentes e permeadas de desamparo emocional, esses filhos podem desenvolver um autoconceito positivo desde que um dos pais esteja apto a prover uma relação estável e enriquecedora com eles apesar do alcoolismo do cônjuge. Uma rede social
constituída por outros familiares, amigos, vizinhos em que se possa receber o suporte de enfrentamento ao estresse de conviver com o alcoolismo também é essencial”, conclui a especialista.