Paulo Roberto Armelin

Esta semana, a GAZETA de COSMÓPOLIS entrevistou um filósofo, que é comerciante e está na cidade desde 1980. Paulo Roberto Armelin, 58 anos, contou como chegou a Cosmópolis para seguir o sacerdócio católico.

GAZETA de COSMÓPOLIS: Como é sua relação com a cidade, nasceu em Cosmópolis ou veio depois?
Paulo Roberto Armelin: Cheguei em Cosmópolis em dezembro de 1980, vim por conta de uma fatalidade do destino. Na época, eu tinha 18 para 19 anos e passei por um processo de autoconhecimento, queria fazer do mundo um lugar melhor para se viver e acabei me tornando postulante ao sacerdócio. Queria ser padre. A Diocese de Limeira tinha o seminário diocesano que acolhia os alunos estudantes de filosofia aqui na cidade de Cosmópolis. Localizava-se onde era a escola infantil ‘Arca de Noé’, em frente a Igreja Matriz. A casa pertencia ao senhor Antonio Batistela, que gentilmente cedia a moradia para os estudantes. Morávamos em 12 seminaristas que pretendíamos chegar ao sacerdócio. Sendo assim, mudar para Cosmópolis era uma condição, pois, os seminaristas que adentravam para o seminário eram transferidos para o seminário.

GAZETA: Mas, as coisas mudaram… O que aconteceu que o fez deixar o sacerdócio de lado?
Paulo: Na verdade, eu nem sei se deixei de lado, porque mora dentro de mim esse sacerdócio. Ocorre que a Igreja tem uma doutrina e estrutura que exige dos sacerdotes alguns juramentos, dentre deles está o celibato, não ter família, esposa e filhos. Mas, o coração é complicado; quando vamos nos dar conta, alguém já está morando dentro dele. Eu acabei tendo alguns amores, me convenci que não daria conta de ser padre e preferi me afastar.
Posso dizer que o tempo em que fiquei no seminário, quase cinco anos, fui absolutamente fiel aos princípios do sacerdócio e cumpri com as exigências da Igreja. Mas, quando percebi que não daria conta, resolvi sair. O amor falou mais forte.

GAZETA: Mas, não só o amor, como foi a volta para o mercado de trabalho?
Paulo: Eu era contador, não tinha acabado minha formação, mas trabalhava na área. Mas, nesses cinco anos que fiquei estudando para ser padre, as coisas evoluíram muito e a tecnologia mudou muito. Então, quando eu quis voltar para as mesmas condições de trabalho, percebi que estava muito complicado de exercer porque eu teria que me reinventar. Além disso, fiquei cinco anos estudando filosofia e, numa realidade de lógica de produção, filosofar pode começar a questionar muitas coisas. Principalmente, quando se fala daquela época, final da ditadura militar, nós estávamos brigando por direitos dos trabalhadores, então, acabei carregando essas bandeiras e todo esse viés político.
Só que essas posições, na época, podiam me dificultar com relação à empresa. Esse discurso na empresa não servia mais. O viés do trabalhador, em via de regra, principalmente, naquela época, é o cara que produz e não o que questiona a empresa; hoje, talvez isso tenha mudado.

GAZETA: Quando foi que abriu a papelaria? Como foram suas atividades profissionais?
Paulo: Eu tentei dar aula no começo, trabalhei no “EEPG” e na Escola Nossa Senhora das Dores, em Artur Nogueira. Mas, quando você faz filosofia, há uma metamorfose, você nunca mais é o mesmo. Você começa a priorizar o que tem importância na vida. Passamos a questionar quem somos, o que queremos e o que fazemos com nossa existência.
Pensando nesse viés e querendo disseminar ideias, eu resolvi ser livreiro, abri uma livraria chamada “Livraria Cosmópolis”. Foi a primeira, talvez a única, livraria da cidade. Acreditava que, com a livraria, poderia ajudar as pessoas a pensar e compreender melhor a existência.
Abri a livraria e trouxe diversos livros de filósofos, antropólogos e afins. Realizava feiras de livros em praças públicas e eventos. Fiquei cerca de quatro a cinco anos vendendo livros.
O livro vendia bem, mas dava pouco lucro; foi quando comecei a vender lápis, canetas, borrachas e afins, e percebi que o lucro era maior. Com o tempo, como eu precisava pagar contas, casamento, filhos, fui deixando a livraria de lado e me consolidando como papelaria. Mas, até hoje, meu sonho é ter uma livraria/café, mas, esbarramos sempre no lucro e contas.

GAZETA: Alguma vez já se questionou se Cosmópolis era mesmo o que você queria?
Paulo: Eu vim de Americana, uma cidade maior, mas, Cosmópolis é uma cidade espetacular. Claro que existe um monte de coisas por fazer e sempre vai existir. Mas, me aconcheguei tão bem nessa cidade, fiz grandes amigos, encontrei oportunidades de realizar o que eu sonhava. Fiquei encantado por aqui e até hoje sou.
Escolhi essa cidade por opção, aqui eu criei muitos laços, aqui foi muito bom. Se eu tivesse que me refazer, seria aqui em Cosmópolis que faria tudo novamente.

GAZETA: Isso significa que se sente realizado?
Paulo: Totalmente, esta cidade me deu as maiores oportunidades da minha vida. Acabei sendo nomeado Juiz de Paz por cerca de vinte anos, fiz quase 6 mil casamentos. Me deu a oportunidade de ser autor do hino da cidade que, para mim, é uma honra enorme. Por esses dias, a Câmara estará votando um projeto de estatuto da Guarda Municipal e, agora, essa Corporação terá um hino que me coube a honra de ser um dos autores da composição e criador da parte musical. Tive a oportunidade de me tornar músico melhor participando da Banda de Cosmópolis. Dá para ver que esse lugar me deu muitas oportunidades.

GAZETA: O senhor é envolvido com música, com a papelaria, com projetos sociais e entre outras coisas. Como faz para administrar todo esse tempo?
Paulo: Tenho conversado bastante sobre isso com minha família. Eu adotei uma filosofia de um amigo de faculdade. Ele dizia que temos que ter um “siri dentro da cueca” para ficarmos o tempo todo nos mexendo.
Eu tenho diminuído um pouco porque depois que você chega próximo da casa dos 60 anos, o corpo começa a pesar. Mas, acredito que o homem tem que ter essa inquietação, uma agenda de trabalho, atividades filantrópicas e outras atividades.

GAZETA: Qual o seu sonho?
Paulo: Sou um estudioso de Jesus Cristo, acredito que a filosofia Dele é de uma das metas mais simples e mais ambiciosas. O meu sonho é que o homem se reconheça como irmão, todos somos irmãos. Devemos tirar as cascas que a vida colocou em nós, assim veremos que somos iguais e temos a mesma essência. Temos um encantamento pela matéria e isso nos distancia do humano que somos. Meu sonho é que as pessoas se desarmem de todos os encantamentos, da prepotência, ego e afins. Vemos o exemplo do Brasil, essas brigas entre esquerda e direita, todos se empanturrando de dinheiro, enquanto as pessoas mais simples morrem de fome e de coisas pequenas. Isso é porque estamos encantados por coisas que não fazem viver.
Meu sonho é que as pessoas reconheçam que todos somos uma só criação e que fomos nos multiplicando. Desde que eu entrei no seminário em 1979, meu ideal de vida é o mesmo. Tentar encantar as pessoas, de tal maneira, que possam reconhecer essa essência de vida que nos faz irmãos. Espero que eu morra com esse sonho porque a única coisa que vale o existir é o ser humano, precisamos um do outro.