O professor cosmopolense Tiago Bodê é o orientador de um projeto educacional que teve um experimento enviado para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), no ano passado, em 2018.
O experimento foi realizado por alunos, agora do nono ano, de uma das escolas mais conceituadas e tradicionais de São Paulo, a Delta. Além dos alunos da escola particular, participaram do projeto alunos de uma escola pública e também de uma Ong (Organização Não Governamental), que trabalha com crianças carentes.
Dos três trabalhos finalistas na NASA, dois deles foram orientados por Tiago. Desses, um deles, que trata sobre o processo de construção de edificações no espaço utilizando um plástico extraído da cana de açúcar e de matéria prima extremamente brasileira.
Student Spaceflight Experiments Program (SSEP)
O Student Spaceflight Experiments Program (SSEP) é um programa, dentro da Agência Espacial Americana (NASA), que estimula a produção de trabalhos nas áreas de ciências, engenharia e matemática por estudantes.
Segundo o Professor Tiago, “é um programa destinado para a educação. Eles selecionam projetos, que tenham ligação com ciências e educação, no ensino básico, e aí, desses selecionados, os escolhidos são enviados para a Estação Espacial”.
Tiago também ressalta que essa é a primeira vez que o projeto é expandido para países fora da América do Norte. “O mais importante para o Brasil é que nenhum país fora da América do Norte teve a oportunidade de participar. É a primeira vez na história”, completa Tiago, orgulhoso pelos alunos.
Construções no Espaço
O projeto escolhido e que foi encaminhado para ser executado na Estação Espacial Internacional está relacionado ao processo de construção de habitações no espaço.
Após o convite para participarem do SSEP, os projetos tiveram que ser elaborados em apenas nove semanas.
No total, mais de trezentos alunos participaram, divididos em grupos. Alunos de uma instituição de Paraisópolis, outros de Cotia e também da escola onde Tiago leciona, participaram da elaboração dos projetos.
Do trabalho dos alunos, resultaram setenta e três projetos. Desses, dez projetos estavam sob a orientação de Tiago e, por fim, três foram os finalistas enviados para a avaliação do SSEP.
O projeto vencedor, que foi enviado para ser executado no espaço, diz respeito ao processo de construção no espaço.
“Aqui na Terra, quando você constrói uma casa, alguns problemas você não tem porque em volta da Terra existe uma camada protetora, principalmente, contra a radiação cósmica. No espaço, não temos essa proteção. Quando o astronauta vai para o espaço, ele não pode ficar muito tempo e a chance de voltar com um câncer é muito alta. Porque ele está exposto à radiação cósmica, mesmo com toda a proteção existente na Estação Espacial”, explicou Tiago.
Diante desse problema, os alunos desenvolveram um cimento, que será misturado ao referido componente plástico. Com isso, os alunos esperam que haja um bloqueio da radiação cósmica, viabilizando as construções.
“Eles descobriram que, na Estação Espacial, existe uma impressora 3D, que usa um tipo de plástico. Os alunos começaram a pesquisar e descobriram que esse tipo de plástico tem uma proteção muito grande contra a radiação.
Então, a ideia deles é fazer uma liga, um concreto, que tem, além do cimento, esse plástico, criando uma estrutura protetora contra a radiação cósmica”, completou Tiago.
O professor também explicou que o tipo de plástico usado nessa impressora 3D é um produto brasileiro. “A estação espacial usa nas impressoras 3D um material brasileiro que, inclusive, vem da cana-de-açúcar. Uma empresa brasileira produz a partir da cana”.
Foram realizados dois experimentos iguais. Um deles enviado para ser executado no espaço seguindo um protocolo desenvolvido pelos alunos. O outro, chamado de controle, ficou na Terra e foi executado ao mesmo tempo.
Aprovação do projeto
Após o envio dos projetos para a SSEP, demorou cerca de um mês até os alunos receberem o resultado que o projeto deles foi o escolhido. No ano seguinte, os alunos que participaram do projeto foram até os Estados Unidos, onde puderam acompanhar o lançamento da espaçonave que levou o projeto para a Estação Espacial. Além disso, os alunos também participarão de um congresso, com alunos canadenses e americanos que participaram do projeto. “Foi emocionante demais, é algo muito importante, é algo que realmente me deixa efusivo em falar. Ver os familiares, meus alunos, todos muito realizados e uma experiência única, realmente emociona”, conta Tiago, que orienta o projeto brasileiro que faz parte da 12ª Missão.
O retorno
Assim que o experimento voltou do espaço, foi possível comparar os resultados obtidos no espaço, com o que ficou em Terra. O professor explicou “tivemos um tempo para analisar os resultados, e agora, na próxima semana, eu e os alunos embarcamos novamente para os Estados Unidos, a fim de mostrar nossas conclusões. Pudemos observar que o tempo para dar ‘liga’ neste cimento foi um pouco mais demorado do que no Planeta Terra. Também não houve, no experimento do espaço, uma solidificação tão acentuada. Cheguei a entrar em contato com laboratórios do mundo inteiro explicando as condições. Metade nos confirmou ser um resultado preocupante devido a flexibilidade do cimento. Outra metade garantiu ser um resultado excelente, pois esta flexibilidade, pode viabilizar meios de construções alternativas. Contudo, estamos ansiosos para apresentação dos resultados finais na próxima semana aos astronautas e para a agência espacial”.
Tiago Bodê
Tiago Bodê, 34 anos, é cosmopolense e teve o interesse pela ciência despertado ainda na infância. Foi aluno da EMEB Rodrigo Octávio Langaard Menezes e também do GEPAN.
Estudou Ciências Biológicas na Unesp até conseguir uma bolsa de estudos na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, onde completou o curso superior.
Depois, fez o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), na área de ensino de Ciências. Agora, também na USP, cursa o Doutorado, também na área de ensino de Ciências.
Gazeta de COSMÓPOLIS: Como foi a sua formação educacional?
Tiago Bodê: Estudei no ‘Rodrigo’ até a quarta série e depois fui para o GEPAN. Estudei no GEPAN até o último ano do ensino médio. Estudei minha vida inteira em escola pública.
Aí, no último ano do Ensino Médio, consegui, no meio do ano, uma bolsa para estudar em Holambra, em uma escola particular. Terminei o estudo e fui prestar vestibular, mas, não passei.
Fiz dois anos de cursinho em Paulínia, em um cursinho público. Vendia trufas para pagar o transporte e estudei lá dois anos.
Prestei vestibular, fiquei bem próximo da aprovação, mas, não passei. Consegui uma bolsa em um cursinho em Cosmópolis.
Sempre prestei vestibular para Ciências Biológicas. Tentei uma vez, não consegui. Tentei uma segunda vez, também não consegui. Aí, tentei a terceira vez e passei. Passei na Unicamp, passei na USP e na Unesp.
Aí fui pra Unesp. Depois, eu fui pra Unicamp e fiquei mais ou menos dois anos pra fazer uma parte do curso aqui (na Unicamp). Nesse meio tempo, consegui uma bolsa para a Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
Era uma bolsa do Conselho Britânico. Eles abriram uma vaga, eu me candidatei, consegui a bolsa e fui.
Na sequêcia, voltando de lá, prestei o mestrado na USP e concluí. Agora, prestei o Doutorado também na USP.
Tanto o mestrado quanto o doutorado foram na área de ensino de Ciência. Entrei para trabalhar com educação e para trabalhar com Ciências com os alunos, como eu posso pegar a ciência como instrumento social e trazer para a vida do aluno.
Gazeta de COSMÓPOLIS: Como você vê os desafios que um aluno de escola pública tem para se interessar por Ciências?
Tiago Bodê: Eu, como vim de uma escola pública e vivi a escola pública, posso dizer que, por mais que eu tinha condições adversas, que foram condições difíceis, que me mostravam que não era possível, eu sempre acreditei muito que era possível. Isso foi algo muito difícil. Eu sempre fiz tudo na minha vida, me dediquei ao máximo para conseguir. Então, eu me dediquei ao máximo para conseguir.
Existem várias instâncias, e eu acho que na instância pessoal é isso: o aluno não pode desistir nunca. Esse é o primeiro passo.
Sempre têm críticas à escola pública, dizendo que a escola pública não funciona e que os professores não são bons e coisas do tipo.
Eu gostaria de aproveitar esse espaço para agradecer alguns professores das escolas públicas porque, mesmo ganhando mal, mesmo em condições absurdas de trabalho, foram professores que eu vi que deram a vida para fazerem um trabalho lá. E esses professores me ajudaram muito. Eu só consegui fazer o que eu estou fazendo agora porque tive professores nesses espaços que acreditaram.
Gazeta de COSMÓPOLIS: Quando surgiu o interesse pela Ciência?
Tiago Bodê: Uma das coisas que me fez interessar por Ciências é um seriado chamado ‘O mundo de beackman’. Eu lembro que, na primeira vez que eu assisti, vendo aquele cientista fazendo aquelas coisas malucas, eu pensei: ‘Nossa, que legal, que engraçado aquilo’.
Me lembro do primeiro conceito que eu aprendi que foi um conceito de atrito que ele fez em uma aula.
Dali eu comecei a assistir os outros vídeos e comecei a me encantar por Ciências.
Em casa, eu peguei no forro de casa, limpei e fiz um minilaboratório lá.
Aí, eu peguei um livro na escola que tinha alguns experimentos e eu queria fazer tudo que estava lá.
E foi nesse processo de encantamento com o seriado e fazer essas experiências em casa, que eu comecei a me apaixonar pela Ciência.
Gazeta de COSMÓPOLIS: Como se tornou professor de Ciências?
Tiago Bodê: Eu entrei pra fazer Ciências Biológicas e aí, dentro do curso, nas universidades que eu estudei, você não encontra muitas pessoas vindas de escolas públicas.
Na minha sala, por exemplo, tinha cinquenta alunos e, desses, só eu e mais uma pessoa éramos de escola pública.
E aí eu comecei a ficar incomodado com isso. Eu estava em um lugar que era para todo mundo estar, que era um lugar público, e não estavam.
É claro que estava feliz de estar ali, mas, ao mesmo tempo, eu ficava muito incomodado.
Nós temos um número muito maior de escolas públicas do que particulares. E nós temos uma representação muito pequena.
Então, eu falei, agora, eu quero seguir a educação e a Ciência e participar de projetos.
Estação Espacial Internacional
Estação Espacial Internacional (EEI), (em inglês: International Space Station, ISS), é um laboratório espacial completamente concluído, cuja montagem em órbita começou em 1998 e acabou oficialmente em 8 de junho de 2011.
A estação encontra-se em órbita baixa (entre 340 km e 353 km), que possibilita ser vista da Terra a olho nu, e viaja a uma velocidade média de 27 700 km/h, completando 15,77 órbitas por dia.
A estação é utilizada continuamente para realização de experiências científicas (algumas cuja realização na superfície terrestre seriam de elevada dificuldade, mas de relativa facilidade em órbita). Atualmente, a estação está pronta para suportar tripulações de seis elementos.
Agradecimento
“Gosto de falar sobre minha formação acadêmica, começando da cidade de Cosmópolis, falando com orgulho da escola Rodrigo e GEPAN que foram a base de tudo isso que conquistei hoje. Amo ser professor e me lembro que alguns profissionais destas escolas de Cosmópolis, mesmo com limitações, se desdobravam para oferecer o melhor aos alunos, e fiz de tudo para absorver o que tinham de melhor. Tenho muita gratidão e gostaria que todos acreditassem no próprio potencial sempre”, finaliza ele.