“O fato de ter sido pouco noticiado não quer dizer que não tenha havido, do mesmo jeito que os adultos adoeceram, as crianças também adoeceram”
Fale sobre o aumento de casos de Covid entre crianças e adolescentes: “O que ocorre é o seguinte: se olharmos a pandemia, a partir do seu início, no ano passado, podemos observar que as pessoas, no início, aderiram mais ao isolamento social, as crianças foram automaticamente colocadas em casa, e nós chegamos, durante todo o ano, a acompanhar casos de crianças com coronavírus. O fato de ter sido pouco noticiado não quer dizer que não tenha havido, do mesmo jeito que os adultos adoeceram, as crianças também adoeceram. Tivemos crianças internadas ao longo do ano passado? Com certeza, houve óbitos, claro, mas numa proporção muito, mas muito menor do que vimos com os adultos. Ao longo deste ano passado, também observamos que, depois que tivemos aquele pico, mais ou menos entre Julho e Agosto, começou a haver um declínio.
As crianças continuaram em casa, não voltaram à escola, mas as pessoas voltaram a se expor novamente. Alguns pais acabaram fazendo concessões, o que a gente não consegue se colocar no lugar, principalmente, dos que trabalham em home office. E por passarem muito tempo em casa, algumas crianças começaram a apresentar episódios de ansiedade, melancolia, crianças ganhando peso por estarem comendo demais, crianças que voltaram a ter perda de urina noturna, medos excessivos, uma série de quadros.
Na medida em que chegamos no fim do ano, no período de festas e recessos, as pessoas continuaram a não seguir as normas de isolamento, e isso criou uma oportunidade para que o vírus se disseminasse mais. Além disso, o nosso Estado converge pessoas de todo o país em aeroportos, rodoviárias, muitos comércios, a partir disso, e com o desenvolvimento de novas cepas (variantes do vírus), e com as pessoas cada vez mais abertas, e com a confiança de acreditarem que a doença só atingiria os idosos, passaram a se contaminar. E nesse meio tempo, nós começamos a vacinar os idosos, e analisando os gráficos da cidade de São Paulo, vemos a queda vertiginosa no número de mortes entre a população que foi vacinada.
As cepas têm mostrado uma capacidade de infectividade muito maior, muito mais transmissível, e está trazendo uma população mais jovem às internações. Temos pessoas relativamente jovens internadas”.
Quantas crianças o Doutor já atendeu com a doença? “Eu devo ter acompanhado, ao longo deste ano, até o momento, mais de 100 crianças. Graças a Deus, todas evoluindo muito positivamente, mas tenho relatos de colegas, de crianças que chegaram a internar. De todas que eu vi, só tive uma criança que internou, durante 72 horas, para a utilização de antibióticos, mas que não precisou de oxigênio e rapidamente teve alta. Mas, a grande maioria melhorou, e em crianças é incrível, com os mais jovens, eu tive uma melhor resposta, e a manifestação clínica é muito variável. Meu mais novo tinha 4 meses de vida e teve um único dia de febre, e os adolescentes, eu percebi que sentiam mais, tinham mais sintomas, sentiram mais o efeito da doença tal qual o adulto, mas todos com uma evolução bastante positiva”.
Por que vemos no noticiário uma maior quantidade de jovens adoecendo devido a doença? “Uma coisa cooperou muito para a disseminação da doença, é que algumas pessoas aderiram a medicamentos que falsamente prometem efeito protetor, com sentido de fazer uma profilaxia, como remédios para piolho, para vermes, uso de vitaminas, sais minerais, quando, na verdade, nenhum deles tem qualquer comprovação científica aceita. Então, eu acredito que, no meio disso, muitas pessoas se sentiram confiantes e passaram a se expor mais, e no meio de todo esse ‘caldeirão’, se um adulto que cuida de uma criança adoece, ele vai transmitir…”
O Doutor acha que isso tem relação com a volta das aulas? “Vimos as escolas seguindo protocolos, alguns diferentes, mas todas procurando ter o controle sobre o que está acontecendo. No entanto, não coloco a culpa do que vem acontecendo na reabertura das escolas, o fato é que não houve respeito às normas de isolamento”.
Quais cuidados os pais devem ter nessa fase de abertura, que ignora o aumento de casos?
“O que a gente recomenda é que a volta às aulas só pode ser propiciada mediante toda uma situação, em cima de protocolos de controle, claro, mas idealmente nós deveríamos ter a população que trabalha na escola: inspetores, professores, cozinheiros, porteiros, zeladores, que essas pessoas pudessem se cuidar melhor, serem vacinadas; temos que imaginar que a grande maioria delas pega o transporte público para ir à escola. Então, não é uma única medida, é um conjunto de medidas que precisam ser tomadas nesse sentido. E nessa altura, o que eu posso aconselhar, são as medidas de isolamento social, as pessoas têm que ficar em casa, as pessoas não devem aglomerar, as pessoas não devem fazer reuniões em casa, devem evitar. Praticar isolamento social, usar máscara, não conservar uma atitude pouco empática, de egoísmo, de sair à rua sem a máscara, de colocar o nariz pra fora da máscara.
A máscara na criança é muito complicada, avisamos que abaixo de 2 anos nenhuma deve usar, e acima de 2 anos é discutível, porque mesmo uma criança maior, com 4 ou 5 anos de idade, ela é imatura, ela vai manusear a máscara, vai pegar essa mão e vai tocar em outros objetos. Mas, na regra, é que abaixo de 2 anos não se use, e acima de 2 anos, com todo o cuidado. Além disso, a aplicação de álcool em gel, a manutenção do distanciamento, na medida do possível. E mesmo aqueles, que têm idosos na família, os quais já foram vacinados, manter um cuidado muito grande, é muito importante que as pessoas procurem se proteger.
Outra coisa, o que vemos por aí, de forma até agressiva, é a forma como as pessoas se dispõem umas com as outras devido, às vezes, a confundir a doença com a nossa situação política, então, independente de orientação política, a gente tem que adotar as medidas sanitárias cabíveis, e até o momento, basta olhar para países ricos, não vemos ninguém propagando o uso de medicações sem comprovação, o que nós estamos vendo: medidas de fechamento, isolamento e vacina. É isso o que, efetivamente, vai conseguir nos tirar dessa situação e que vai propiciar, aos poucos, o retorno à nossa atividade normal.”