Shirley Favião, 63, médica veterinária

Nesta semana, a GAZETA de COSMÓPOLIS entrevistou a médica veterinária, proprietária de uma agropecuária, determinada e batalhadora Shirley Favião, 63, que contou sua trajetória dentro da profissão e vida. Na entrevista, ela contou como decidiu mudar de profissão, deixando de ser professora de inglês para se tornar médica veterinária, iniciando a faculdade aos 49 anos.

Shirley também falou sobre o preconceito que sofreu e como o superou dentro do curso. Além disso, compartilhou também dos seus atuais sonhos e realizações.

GAZETA de COSMÓPOLIS: Conte-nos quando a senhora veio para Cosmópolis e por que escolheu esta cidade?

Shirley Favião: Nós tínhamos uma agropecuária igual  a essa lá em Rio Claro, há 15 anos e, em frente dela, tínhamos uma casa, onde construímos uma clínica veterinária. A veterinária responsável técnica da clínica era uma amiga minha de Analândia, que já trabalhava na loja.

Eu a ajudava realizar algumas cirurgias, banhos e tosas. Sempre gostei dessa parte.

Um dia, meu esposo decidiu se mudar para Cosmópolis.

Vi esse barracão, onde é a loja hoje, em uma volta da praia. Na época, ele estava para alugar e foi aí então que meu marido decidiu alugar. Entrou em contato com o proprietário, que não nos conhecia, mas topou realizar o aluguel. Certa vez, ele até comentou que essa tinha sido a melhor escolha de sua vida.

Com o passar do tempo, transferimos a loja de Rio Claro para Cosmópolis, vendemos a de lá e abrimos aqui. Ano que vem, faremos 18 anos de loja em Cosmópolis.

GAZETA: Seu marido já comentou sobre o motivo de ter gostado de Cosmópolis?

Shirley: Ele mencionava que aqui tinha um comércio muito bom. Na época, ele tinha um comércio de sementes para pássaros no atacado e, então, ele vendia para lojas iguais a minha. Nessas revendas para as agropecuárias, ele viu que em Cosmópolis tinha um bom comércio, vendia bem.

Acredito que ele tinha razão, tudo deu certo por aqui.

GAZETA: Em Rio Claro, a senhora já tinha a sua formação atual?

Shirley: Não, eu sempre fui professora de inglês, nada a ver com veterinária.   A minha amiga, que era veterinária, assinava para nós. Mas, quando ela casou e mudou, decidi dar para ela a clínica. Devolvemos a casa e tudo que tinha dentro da agropecuária, demos para ela.

Mudamos para cá. Nos dois primeiros anos, trabalhei só na loja, até que um dia, um professor da faculdade de Jaguariúna, que é um cliente meu, me aconselhou fazer o curso de medicina veterinária. Não estava muito confiante, até porque eu trabalhava o dia todo, não teria tempo para estudar. No dia seguinte, ele me trouxe o flyer. O vestibular da segunda turma de medicina veterinária da FAJ seria em cerca de 15 dias.

Conversando com meu esposo, que não acreditava da possibilidade de eu passar no vestibular, porque eu estava há 20 anos sem estudar, decidi fazer a prova, fiz a inscrição no último dia.

O vestibular era no domingo e na terça-feira já sairia o resultado, mas não tinha computador na época e, então, não conseguia ver o resultado. Quem viu foi minha filha.

Eram 550 candidatos e eu passei em 26º, decidi fazer. Então, o combinado com meu marido foi que eu trabalharia à tarde e iria na faculdade pela manhã. Acordava às 6h30 da manhã, ia para a faculdade, ficava até às 13h lá e voltava para trabalhar até às 19h. Mas, na época, eu já era dona de casa. Então, chegava lá e tinha que cuidar dos filhos, filhas, comida, animais e casa. De segunda, eu acordava de madrugada, às 3h, para estudar e às 6h eu ia para a faculdade.

Nesse período, eu dormia cerca de 3 horas por noite. Isso não me fez mal, pelo contrário, nunca reclamei de nada, porque eu tinha necessidade de estudar. Além de tudo, nunca fiquei de DP [dependência], sempre estudei e me esforcei.

GAZETA: Quantos anos a senhora tinha?

Shirley: Entrei na faculdade com 49 anos. Dividia sala com a ‘molecada’ de cabeça fresca, que veio direto do colegial. A primeira aula que eu tinha foi de bioquímica. Quando o professor começou a falar e colocar a matéria no quadro, eu fiquei desesperada. Porém, eu estudei muito para essas matérias, tive que voltar a estudar o conteúdo do meu colegial para acompanhar o primeiro ano de faculdade. Usava o livro de colegial das minhas filhas para estudar.

Enfim, batalhei bastante e consegui. Já, hoje, eu estou cursando minha pós-graduação.

GAZETA: Quais as maiores dificuldades que a senhora sentiu ao ingressar em uma faculdade?

Shirley: O preconceito, porque tinha muitos outros alunos que me olhavam torto e até comentavam: ‘o que essa velha está fazendo no nosso meio?’. Então, tinha dias que eu não descia na cantina para comer, eu ficava com fome, tinha vergonha de ser julgada por alguém. Isso aconteceu mais no primeiro ano, não levantava da cadeira, não saía da sala e nem ao banheiro eu ia para evitar de cruzar com as pessoas no meio do caminho.

Do segundo ano em diante, como igualaram as matérias, já que as primeiras matérias eram restos do colegial e todo mundo lembrava, menos eu que tive que me esforçar para acompanhar, eles perceberam que eu estava no mesmo nível que eles. 

Depois disso, eles passaram a me tratar de igual para igual e tudo foi muito melhor.

GAZETA: De todos anos trabalhando neste ramo, com toda essa experiência, a senhora já pensou em mudar?

Shirley: Nunca. Ao contrário, se eu pudesse ter feito isso anos atrás, teria feito. Assim como, se pudesse fazer a faculdade novamente, também a faria.

Depois de 10 anos formada, continuei estudando com meus livros. Mas, ainda gostaria de uma realização, a pós-graduação na mão.

A pós-graduação é uma realização pessoal, mesmo que eu não a use, será parte da minha felicidade.

Desde de que eu entrei na faculdade, quis mostrar para os meus filhos que ‘querer é poder’. Então, acredito que se você quiser, tem que correr atrás, nunca desistir dos sonhos, não importa a idade.

GAZETA: Dentre as realizações e sonhos que a senhora teve durante a vida, quais deles ainda falta se concretizar?

Shirley: Conhecer a Austrália. É um sonho que tenho desde meus 14 anos.

Tive essa vontade depois que li um livro chamado Pássaros Feridos, que conta a história de uma família que migrou da Nova Zelândia para a Austrália nos anos de 1800. E o livro conta a história de um amor entre um padre e uma menina que imigrou. Eles descrevem o ambiente com muita riqueza de detalhes, como se fosse um lugar lindo e isso me fez ficar apaixonada pela Austrália.

Eu já viajei bastante pelo mundo, mas nunca tive a oportunidade de ir para lá; eu ainda vou.

GAZETA: Iniciando esse novo ciclo, o da pós-graduação, o que a senhora espera, deseja e sonha para o futuro? O que te motiva a continuar buscando essas coisas?

Shirley: Eu sou uma pessoa completamente feliz. As pessoas procuram a felicidade, uma realização.

Já me casei, tive meus quatro filhos, eles também são casados, já tenho uma neta, já fiz duas faculdades, vou começar uma terceira e vou conhecer a Austrália. Aí eu posso morrer feliz.

Sou uma pessoa realizada, acordo todos os dias pela manhã para trabalhar e ser feliz.

Acordamos, trabalhamos, ganhamos dinheiro para comprar alguma coisa ou viver algo que nos traga felicidade.

GAZETA: Se pudesse falar algo para alguém, o que diria?

Shirley: Não podemos ter vergonha da idade que temos para realizar nossos sonhos. Você pode realizar seus sonhos aos 18, 28, 58 ou 78, isso não importa. Corra atrás dos seus sonhos, que eles vão se realizar, nunca desista.