Tragédias, perdas, acidentes, situações de conflito no trabalho, na escola, na família e até mesmo entre amigos são motivos para ocasionar o estresse como reação a estes eventos que exigem grandes esforços emocionais. Para cada pessoa, a forma de lidar com a situação depois de vivenciada é única e singular, mas requer atenção, pois, mesmo que haja singularidade na forma de lidar, algo é comum a todos – o sofrimento.
“Quando este sofrimento não é superado e incapaz naquele momento de ser compreendido pelo indivíduo, ele ‘ganha forças’ geradoras de ansiedade, e o evento traumático adere uma proporção gigantesca na vida emocional, interferindo na sua sanidade mental, chegando a comprometer suas atividades e seus relacionamentos – é quando pode-se dizer que o indivíduo está vivenciando o Transtorno do Estresse Pós-Traumático”, explica Abigail M. Faria, psicóloga.
O ponto crucial deste transtorno é a proporção gigantesca que o evento traumático adere no psiquismo do indivíduo, uma vez que evivenciado este evento traumático, o indivíduo sente os mesmos sintomas e aspectos vividos da primeira vez. Isto é, a angústia e as sensações sentidas são revivenciadas pelo indivíduo quando relembra a situação traumática.
“Assim, o Transtorno do Estresse Pós-Traumático denomina-se como distúrbio de ansiedade, no qual caracteriza-se por um conjunto de sintomas físicos, psíquicos e emocionais, em decorrência de o indivíduo ter sido vítima ou testemunha de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida de outros”, esclarece Abigail.
Ela ainda acrescenta que “é importante salientar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) só veio reconhecer o problema em 1994, quando houve a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Depois dessa origem e reconhecimento do transtorno, hoje em dia, é um dos diagnósticos mais populares no campo da Psiquiatria, o qual se aproxima dos diagnósticos de depressão e pânico.
No Brasil, cerca de 15% a 20% da população geral são acarretados pelo Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Estas pessoas que sofreram de alguma forma ou presenciaram situações traumáticas, tais como: violência urbana, agressão física, abuso sexual, tortura psicológica, xingamentos, assalto, sequestro, acidentes, catástrofes naturais ou provocadas – desenvolvem este transtorno ou outro transtorno similar ao de ansiedade; e a maioria só procura ajuda dois anos depois das primeiras crises”.
Todavia cabe lembrar que a recordação da situação traumática desencadeia alterações perceptíveis nos níveis neurofisiológicos, mentais e emocionais, trazendo à tona as sensações, tais como fora da primeira vez – estas alterações são consideradas como sintomas do transtorno.
– Sintomas
Os sintomas podem se manifestar em qualquer faixa de idade e levar meses ou até mesmo anos para aparecer. Assim sendo, são agrupados em três categorias:
• Reexperiência traumática: pensamentos recorrentes que remetem à lembrança do trauma. É comum a pessoa revivenciar “flashbacks”, e ter pesadelos;
• Esquiva e isolamento social: a pessoa foge de situações, lugares, contatos ou atividades que possam reavivar as lembranças do trauma que são motivos de angústia profunda;
• Hiperexcitabilidade psíquicas e psicomotoras: taquicardia, sudorese, tonturas, dores de cabeça, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, irritabilidade, hipervigilância, dentre outros.
Outro fator importante neste contexto do transtorno é que pacientes diagnosticados podem desenvolver comorbidade. Comorbidade é a existência de duas ou mais doenças em simultâneo na mesma pessoa. Em casos de transtornos psiquiátricos graves, a tendência ao suicídio e o uso de substâncias psicoativas são predominantes.
– Diagnóstico
O diagnóstico segue as normas dos manuais DSM-IV (Manual de Diagnóstico dos Distúrbios Mentais) e o CID-10 (Classificação Internacional das Doenças) para a população que apresenta sintomas de ansiedade; partindo-se deste pressuposto, são avaliados os sintomas, causas, frequência, dentre outros critérios específicos e estabelecidos para a conclusão do diagnóstico do transtorno do estresse pós-traumático.
– Tratamento
O tratamento deve ser oferecido logo após o diagnóstico confirmado, de acordo com recursos disponíveis para tal. Os tratamentos psicológicos estruturados e focados no trauma são o recurso mais eficaz, sendo proporcionado pelos profissionais psicólogos. Já os tratamentos farmacológicos são oferecidos pelos psiquiatras, que também recomendam a junção do uso dos medicamentos com as sessões de psicoterapias, para melhor eficácia.
Os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) são reservados para tratamento em casos complexos, principalmente, para aqueles que apresentam comorbidade com transtornos psicóticos ou abuso de substâncias psicoativas.
– Recomendações
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) o Brasil é o país mais ansioso do mundo, que procede após levantamento recente. Portanto, ao perceber sintomas de estresse, ansiedade, distúrbios do sono ou qualquer outro citado anteriormente, busque ajuda médica.
Lembrando que a ocorrência de um agente estressor não significa que a pessoa desenvolverá distúrbios ou transtornos, pois, este
agravante é relativo, sendo que algumas pessoas são vulneráveis ou predispostas. Crianças e idosos também podem apresentar sintomas do transtorno após eventos traumáticos, não subestime a ocorrência.
“A angústia surge no momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar” (Jacques Lacan), cita a especialista.
“Mediante aos últimos acontecimentos traumáticos no início deste ano, como a ruptura da barragem em Brumadinho no estado de Minas Gerais, que devastou a cidade, deixando centenas de mortos e feridos; o incêndio no centro de treinamento do Flamengo, o qual ocasionou a morte de dez garotos sonhadores; e a morte acidental do ilustre jornalista Ricardo Boechat, e do piloto que o acompanhava, dedico este texto a todos os brasileiros, familiares e amigos das vítimas, assim como aos profissionais engajados nestes eventos que, porventura, presenciaram a dor da perda e, agora, se encontram desolados. A vocês, desejo-lhes força para continuar a jornada da vida”, conclui.