A violência contra a mulher não é novidade para os brasileiros; a cada semana, é um novo caso que repercute. O último caso mais comentado foi o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, por mais de trinta homens, que foi divulgado nas redes sociais. É importante ressaltar que, no Brasil, sete a cada 10 mulheres sofrem algum tipo de violência; destas, somente 33% conseguem denunciar. Em 67% dos casos, estão envolvidos parentes ou pessoas próximas à mulher, como companheiros, familiares e filhos.
De acordo com a Psicóloga Patrícia Poletti, a violência contra a mulher vai muito além da agressão física ou do estupro. A Lei Maria da Penha classifica os tipos de violência contra a mulher em 05 categorias:
• Violência patrimonial: consiste na violação e controle coercitivo quanto ao patrimônio da família ou mulher. Por exemplo, se o homem tenta controlar, guardar ou tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade, assim como guardar documentos pessoais da mulher, causar danos ou quebrar objetos dela ou da casa;
• Violência sexual: Não é só forçar o sexo que consta como violência sexual. Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, como a realização de fetiches, também é violência. O ato de impedir uma mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional, é considerado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mulher a abortar também é outra forma de abuso;
• Violência física: toda forma de agressão ou espancamento. São considerados também a tentativa de arremessar objetos, com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força uma mulher por braço ou outra parte do corpo etc.;
• Violência moral: atentar contra a moral, valores e crenças da mulher; expor a mulher a situações de humilhação ou vexatórias, como expor sua vida íntima, impedi-la de exercer sua crença etc.;
• Violência psicológica: atentar contra a vida emocional da mulher, como humilhações, xingamentos, desvalorização ou deboche; controlar e oprimir cada passo da vida da mulher; impedi-la de trabalhar ou exercer alguma função que queira, isolamento social, ameaças etc.;
A especialista informa que a violência contra a mulher provoca impactos profundos na vida dela e da família. “Pode provocar sentimentos de desamparo, solidão, vergonha, culpa. A mulher passa a se sentir desvalorizada e acreditar nas humilhações que escuta. Passa a ter baixa auto-estima e assim a acreditar que não merece ou não pode ter uma vida melhor e sem violência. Apresenta sinais de ansiedade, medo, tristeza profunda. Pode desenvolver depressão, transtornos de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, e até suicídio. A sua saúde pessoal, o seu papel como mãe, como esposa, como geradora de rendimentos ou como empregada, serão afetados. As suas crianças estarão em alto risco de desenvolver um problema sério de saúde mental ou de se tornarem vítimas ou perpetradoras na vida adulta. Isto cria um ciclo vicioso de violência”, alerta.
A Psicóloga afirma que estudos feitos na área de violência à mulher revelaram que crianças que vivem num ambiente doméstico em que há violência correm um risco 1.500 vezes superior à média nacional de serem igualmente vítimas de violência. Segundo a OMS (2001), as crianças que são vítimas de violência ou de abuso sexual têm um risco elevado de elas próprias se tornarem mais tarde perpetradoras de formas semelhantes de abuso em relação a crianças mais novas. “Testemunhar violência frequente na casa também pode contribuir para desenvolver um comportamento agressivo: comprovou-se que, em crianças jovens e agressivas, o fator mais importante que contribuía para esses atos de violência era ter um pai que se comportava de forma violenta em casa”, adverte a profissional.
A mulher vítima de violência precisa buscar ajuda psicológica, para se fortalecer emocionalmente, melhorar sua auto-estima, perceber que ninguém deve se submeter às situações de violência e que é possível viver sem a violência. “Grande parte das vítimas de violência também apresentam uma forte dependência emocional de seu parceiro, aceitando as violências em troca de momentos de carinho ou proteção. Escutamos de diversas vítimas de violência que o marido pelo menos traz dinheiro para casa, ou que ele pelo menos é um bom pai, ou que ele só bate quando bebe, ou que ela merecia apanhar. O psicólogo trabalhará esta mulher para mostrar a ela que nenhuma situação justifica alguém viver sob violência e que ela é capaz de ter uma vida feliz”, explica Patrícia.
Assim como qualquer situação traumática, sempre existirão lembranças, mas a superação e transformação são possíveis. Porém, a Psicóloga explica que mulher que sofre violência tem toda sua vida afetada: não consegue ser esposa, ser mãe, não consegue trabalhar ou ser produtiva, vai simplesmente sobrevivendo. “A mulher que consegue denunciar e dar um basta nesta relação violadora consegue se recuperar, se fortalecer, mas precisa de ajuda psicológica, para superar os traumas da violência que sofria e também para não iniciar uma outra relação violenta. Vemos, no nosso cotidiano, mulheres que saem de uma relação violenta e entram em outra e é este ciclo de violência que temos que quebrar”, esclarece.
O papel de toda sociedade, não apenas de quem está perto de quem sofre violência, é amparar e não julgar esta mulher. “A mulher que sofre violência é sempre vista como culpada, a que procurou, a que estava de roupa curta, aquela que não presta. Precisamos entender que ninguém quer viver sendo agredida, violentada, e precisamos entender o que levou esta mulher a viver assim e o que a faz não conseguir sair disto”, afirma.
Há situações que podem ajudar a mulher a se proteger desta situação. São elas:
• A presença de uma rede social, incluindo uma família nuclear ou extensa que possa dar suporte a esta mulher;
• Ter acesso a educação ou ter estudado quando criança;
• Ter emprego ou a possibilidade de gerar rendimentos;
• Ter acesso a serviços públicos que forneçam cuidados de saúde, proteção policial e justiça.
Além disso, a Psicóloga explica que é responsabilidade de toda sociedade formar filhos cidadãos que se preocupem e saibam como uma mulher ou qualquer pessoa deve ser realmente tratada. “Uma mulher que crescer vendo violência, aprende que a violência é normal e deve aguentar, e cresce continuando com a história de violência. E assim, seus filhos e filhas também. Precisamos buscar uma sociedade justa, igualitária e que proteja seus agentes e a todos”, finaliza Patrícia.
Toda mulher que sofre agressão está amparada pela Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06) e pode fazer denúncias anônimas através da Central de Atendimento (Ligue 180).
Os crimes contra a mulher não precisam ser denunciados exclusivamente nas Delegacias de Defesa da Mulher. Todo o distrito policial pode receber estas queixas e, caso a vítima solicite, o caso pode ser transferido para uma das Delegacias de Defesa da Mulher. Para que a transferência ocorra, é preciso que ela seja solicitada no registro da ocorrência.