É comum vermos casos de violência contra a mulher nos meios de comunicação e assim vemos que é algo que vem se tornando cada vez mais comum, mas, ainda mais preocupante. A psicóloga Abigail M. Faria fala sobre o feminicídio.
“A divulgação realizada pelo relatório global da ONG internacional HumansRightsWatch (HRW – Observatório dos Direitos Humanos) retratou, em janeiro deste ano, que no Brasil há uma “epidemia de violência doméstica”. Dados colhidos desde 2018 denotam o crescimento absurdo de denúncias sobre agressões contra mulheres pendentes na Justiça brasileira, um número equivalente a 1,2 milhão de casos denunciados.
Abordar este tema sobre a violência contra a mulher é de extrema importância social, pois é caracterizado como fenômeno histórico, social e cultural que envolve mulheres de todas as raças, etnias, classes sociais e em todas as esferas sociais correspondentes.
“Em briga de marido e mulher, devemos meter a colher” é uma frase que denota a quebra do silêncio que mulheres sofreram ao longo dos anos, e que somente nos anos 80 se iniciou este grito de socorro, junto aos movimentos feministas que levantaram a bandeira para a defesa da mulher, e a busca pela igualdade de direitos.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos que administra a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (o ligue 180), foram registrados, no início do ano de 2018, 73 mil denúncias de violência doméstica, isto é, mulheres agredidas por seus parceiros no âmbito doméstico. As principais agressões registradas foram: agressões físicas, psicológicas, sexuais, morais e patrimoniais.
Lei Maria da Penha e
o Crime de Feminicídio
A Lei Maria da Penha foi criada em agosto de 2006, através da história sofrida retratada pela própria Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu duas tentativas de homicídio pelo seu marido. Após muitas agressões sofridas, Penha ficou paraplégica e seu marido somente fora condenado dezenove anos depois.
Este episódio foi considerado como o primeiro crime de violência doméstica pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Os objetivos desta Lei implicam em Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher, no qual estabelece medidas de assistência e proteção. O movimento de aplicabilidade da lei mobilizou a abertura de instituições que oferecem apoio à mulher, como também a abertura de delegacias de mulheres que acompanham os casos, além de um disque denúncia específico – o ligue 180.
O crime de feminicídio passou a ser considerado crime de ódio motivado pela condição de gênero. O Instituto Maria da Penha promoveu uma pesquisa que abordou a violência física como a mais assistida no país, sendo que a cada 7,2 segundos uma mulher é agredida fisicamente. A principal causa dos assassinatos apontada pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum de Segurança Pública é a separação e/ou divórcio.
E ainda se tratando da mulher, há diferença de cor, segundo o Mapa da Violência: mulheres negras são mais assassinadas do que as mulheres brancas.
Outra causa que pode levar ao assassinato de mulheres, também é especificada pelo Mapa da Violência como o estupro (violência sexual). Em média, dez estupros coletivos são notificados todos os dias no sistema de saúde do país, sendo que 30% dos municípios brasileiros não fornecem estes dados ao Ministério. Isto significa que esse número não representa a totalidade.
Infelizmente, apenas 15,7% dos acusados por estupro foram presos, e em São Paulo este mesmo levantamento apontou que há um estupro em local público a cada 11 horas. No metrô de São Paulo, registra-se, por semana, quatro casos de assédio sexual.
Considerações sobre este fenômeno da violência: um breve apanhado histórico.
Durante muito tempo, a sociedade cercada por “um mundo de homens”, as mulheres eram vistas como objeto sexual e/ou donas de casa, com seus destinos demarcados a cuidarem de filhos e prezar pelo lar, família e marido.
A visão naturalista que imperou durante anos determinou esta rigidez de pensamento e comportamento entre homens e mulheres, estabelecendo as diferenças nas atividades que cada um “deveria” realizar, gerando relações de poder que poderiam ser aclamadas, muitas vezes, com violência. A desconstrução desta rigidez começou a partir da Revolução Francesa, quando as mulheres participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens, buscando também seus ideais de igualdade, fraternidade e liberdade.
A inferioridade da mulher é colocada em pauta, ganha visibilidade no provar que não há diferença entre homem e mulher, “mulher é capaz de fazer o que o homem faz”. Assim, dá-se o primeiro passo para os movimentos feministas
com o objetivo de desconstruir esta relação de poder sofrida pela mulher durante anos.
Assim, a questão da violência se torna um fator social, histórico, cultural e também de saúde pública, uma vez que, mesmo com estes avanços no pensamento, a criação de leis que protegem a mulher e criminaliza o agressor – ainda não é eficaz.
A realidade brasileira em relação à violência doméstica como apontada pelo Relatório Global, é uma epidemia que precisa ser estancada. Os casos de feminicídio que são atualmente considerados como crime hediondo são um marco para a integridade e o papel da mulher na sociedade – a luta incansável da mulher pelo seu direito de ser, existir e coexistir com todos.
Muitos avanços são necessários realizar para que haja eficácia quanto à aplicação das leis, que visam no papel defender a mulher, mas, na prática, acabam por favorecer o agressor, pois, apenas uma parcela dos casos aqui mencionados, os agressores são presos e cumprem a pena, os demais são omitidos, nem sequer investigados.
Quanto ao atendimento à mulher nas delegacias, também é deficitário. Delegacias que somente cumprem o horário comercial não possibilitam atendimento nos horários que são mais propícios ao crime, à noite e aos fins de semana.
Os abrigos para mulheres em situação de risco foram criados para aquelas que não têm um lugar para ficar e precisam ser mantidas longe do agressor. Porém, são poucos os abrigos existentes no Brasil.
E como mulher, verdadeiramente não podemos nos calar, enquanto ainda persistirem ameaças contra a nossa integridade física, moral, psicológica, sexual, de raça, cor, etnia e religião sempre haverá motivos e razões para abordar este tema, pois em “Briga de marido e mulher, DEVEMOS SIM meter a colher”’.
Abigail M. Faria